Pelo menos 1.200 vidas foram salvas e 123 mil pessoas deixaram de ser infectadas pelo novo coronavírus no Amazonas, por conta da suspensão do transporte fluvial de passageiros, previsto no Decreto Estadual nº 42.087/2020, de março deste ano. A validade do decreto foi garantida por intervenção da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) e Defensoria Pública da União (DPU) na Justiça Federal.
O dado foi divulgado na sexta-feira (05/06), como parte do último relatório de pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), realizada pelo subcomitê de combate à Covid-19 da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC), coordenado pelo professor doutor Renan Albuquerque. O estudo completo, entre outros levantamentos, foi publicado em plataforma aberta da universidade, pelo professor e sua equipe.
O decreto estadual determinou a navegação de barcos no estado apenas para casos essenciais, cargas e alimentos perecíveis. No entanto, a Medida Provisória 926, editada pelo Governo Federal em 20 de março de 2020, condicionou a restrição de passageiros em rodovias, portos e aeroportos a um “parecer técnico” da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que impediria o cumprimento efetivo do decreto estadual.
Intervenção judicial
Para garantir a efetividade da suspensão do transporte fluvial de passageiros no Amazonas, DPE-AM e DPU ingressaram com uma ação na Justiça Federal e obtiveram liminar que considerou inconstitucional trecho da MP 926 que condicionava a restrição no transporte ao um parecer da Anvisa. A decisão judicial, assinada pela juíza Jaiza Fraxe no dia 23 de março, cita um possível “extermínio de toda a população” e “genocídio de povos indígenas por contaminação de Covid-19”, se o fluxo de pessoas permanecesse normal.
Em sua decisão, a juíza Jaiza Fraxe observou que, quanto à competência da União para legislar sobre restrições de transportes, a norma constitucional não fez proibição em casos de pandemia. Isso porque a Constituição em vigor é de 1988, e a última pandemia teria ocorrido entre a década de 1910 a 1920. De acordo com a magistrada, o legislador originário, portanto, não se preocupou em proibir os governadores de administrar os seus respectivos Estados em caso de pandemia.
“E não o fez porque seria uma imprudência injustificada, da feita que quem está perto do povo em casos de calamidade pública é o governo local”, disse, na decisão.
A magistrada considerou que, nesse contexto, devem prevalecer os decretos estaduais que restringem em parte a circulação de pessoas em embarcações para fins de passeio, mas mantêm serviços essenciais e transportes de carga.
“Declaro incidentalmente inconstitucional o inciso VI, do art. 3º, da Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020, por se tratar de medida desproporcional com a realidade fática do interior do Estado do Amazonas”, afirma trecho da decisão.
A juíza federal também declarou haver omissão, por parte da Anvisa, na fiscalização do transporte fluvial no Amazonas, entre outros aspectos, porque não existe equipe de fiscalização nos portos do Amazonas, sendo essa constatação fato público e notório no estado. Dessa forma, considerou ser completamente ineficaz a mera colocação de recomendações de lavar as mãos e passar álcool gel, uma vez que o transporte de passageiros em barcos de passeio é caracterizado por aglomerações.
“De modo que determino o imediato cumprimento do Decreto Nº 42.087 do Governador do Estado do Amazonas por parte da Marinha do Brasil, com fiscalização da proibição do transporte fluvial de passeio de passageiros no Estado do Amazonas”, cita a decisão da magistrada.
Decisão mantida
O Governo Federal recorreu e chegou a obter decisão favorável no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) no dia 30 de março, para liberar o transporte de pessoas nas embarcações. Mas DPE-AM e DPU ingressaram com pedido de reconsideração, que foi concedido pelo desembargador TRF1, Jirair Aram Meguerian, cassando a decisão que havia liberado o transporte.
O desembargador federal Meguerian afirmou que a decisão de primeira instância, emitida por Jaiza Fraxe, deveria prevalecer “na íntegra”, assim como o decreto do Governo do Amazonas, que trata da proibição.
“A catástrofe era iminente. Em média, quase 10 milhões de pessoas usam o transporte fluvial na região amazônica para se locomover. Estamos lutando para evitar a disseminação do coronavírus e proteger a população do Amazonas. Do contrário, é uma tragédia anunciada”, disse o defensor geral do Amazonas, Ricardo Queiroz de Paiva, à época.
Segundo o estudo da Ufam, a suspensão do transporte fluvial de passageiros no Amazonas amenizou a taxa de contágio e o espalhamento da Covid-19 ainda maior do que o vivenciado no estado.
Com informações da assessoria