Não há trégua: essa quarta-feira (27/3) foi um dia em que mais combustível foi jogado na fogueira onde arde as relações entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional. A tensão entre Legislativo e Executivo é alta e as declarações do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, e do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), ilustram bem o impasse.
“Bolsonaro está brincando de presidir o país”, disse o parlamentar. “É muita irresponsabilidade”, reagiu o chefe do Executivo. Mais tarde, Maia ainda completou: “Faço um apelo ao presidente de que pare, chega”. Em jogo, nada mais, nada menos do que a reforma da Previdência: prioridade da gestão de Jair Bolsonaro no comando do país.
As hostes palacianas acordaram ainda atordoadas com a rasteira que levaram dos deputados na noite de terça (26): o plenário da Câmara aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de 2015 que torna todo o Orçamento da União impositivo. Isso significa que a União teve a capacidade de gastos limitada pelos deputados federais e terá de executar obrigatoriamente as despesas aprovadas pelo Legislativo.
A medida aumenta a força do Congresso frente ao governo federal, foi aprovada em dois turnos na noite de terça e diminui o poder de barganha do Planalto, que tradicionalmente utiliza as emendas como moeda de troca no toma lá dá cá político.
O dia seguinte ao “by pass” da Câmara até que começou calmo. Nove dos 22 ministros de Bolsonaro foram convidados pelo Parlamento a expor seus projetos e metas – e mesmo os problemas de cada pasta – a deputados e senadores nesta quarta. Esperava-se que uma demonstração de respeito mútuo entre ambas as Casas jogaria um pouco de água na fervura. Mas, com o passar das horas, a animosidade foi tomando corpo.
Ao Congresso, foram os ministros Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública); Onyx Lorenzoni (Casa Civil); Paulo Guedes (Economia); Ricardo Vélez Rodriguez (Educação); Luiz Henrique Mandetta (Saúde), Ricardo Salles (Meio Ambiente); Bento Albuquerque (Minas e Energia), Damares Alves (Mulher, da Família e dos Direitos Humanos); e Ernesto Araújo (Relações Exteriores).
No Senado, depois de se recusar a ir à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na terça (26), por considerar que levaria “tiro nas costas” até do partido de Bolsonaro, o PSL, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi falar sobre a reforma da Previdência.
Em uma sinalização de que pode abandonar o governo, caso sua agenda de prioridades não seja aprovada pelo presidente e pelos parlamentares, Guedes afirmou que “não vai brigar para ficar no cargo”. E os ânimos se exaltaram de fato quando ele criticou a aposentadoria dos senadores e iniciou um bate-boca com a senadora Kátia Abreu (PDT-TO).
Espetáculo de horror
Na Câmara, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, participou de audiência pública onde respondeu a críticas sobre sua administração, apresentou propostas para o setor e falou sobre as recentes demissões na pasta, como a do presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Marcus Vinicius Rodrigues. Segundo o ministro, a exoneração ocorreu por que Rodrigues lhe “puxou o tapete”.
Mas o ministro não convenceu os deputados com seus argumentos. Marcelo Calero (Cidadania-RJ) reclamou das sucessivas crises que a pasta tem enfrentado nos três meses de gestão.
“O que assistimos hoje foi a um espetáculo de horror na Comissão de Educação. Um ministro totalmente despreparado, que não sabia responder objetivamente a nenhuma das perguntas que lhe foram dirigidas, falando sobre conceitos vagos e que trouxe uma apresentação que mais parecia de um aluno primário”, disse Calero. O parlamentar fez um apelo direto a Bolsonaro: “Demita o ministro”.
O deputado Ivan Valente (PSol-SP) também sugeriu em sua fala que Vélez renunciasse ao cargo. E foi rebatido na sequência. “Não renuncio. Só apresento a minha renúncia ao presidente da República ou ele me demite”, disse o ministro.
Críticas e cobranças
Também no Senado, onde foi debater o pacote anticrime do governo federal, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, acabou sendo criticado e cobrado sobre a transferência de líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), como Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, para a Penitenciária Federal de Brasília.
Moro ainda disse aos senadores que prefere desistir da tramitação do pacote anticrime, apresentado à Câmara no início de fevereiro, caso ocorra uma tentativa, por parte do Congresso, de retirar do projeto os pontos que tratam do combate à corrupção. Semana passada, ao cobrar celeridade na tramitação das medidas no Congresso, Moro acabou se desentendendo com Rodrigo Maia: piorando a crise institucional entre Planalto e Parlamento.
A quarta já havia começado com um revés para o presidente. Em São Paulo para realizar uma bateria de exames no hospital Albert Einstein, Bolsonaro anunciou no Twitter que visitaria a Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde iria conhecer o centro de pesquisas sobre grafeno – considerado o material mais fino do planeta.
Em protesto, estudantes convocaram manifestações para a porta da instituição. Os alunos carregavam cartazes chamando o presidente de fascista e dirigiram gritos de ordem com insultos ao chefe do Executivo. O presidente, então, cancelou a agenda: acabou se reunindo com os pesquisadores do Mackenzie em uma área militar próxima à universidade.
Desfecho com bate-boca
Mas nada melhor para medir a alta temperatura entre os dois poderes do que o desfecho do dia. Em declaração à TV Band, Bolsonaro disse que Rodrigo Maia estaria abalado por questões pessoais – uma referência à recente prisão do sogro do presidente da Câmara, o ex-ministro Moreira Franco, pela Lava Jato, no mesmo dia em que o ex-presidente Michel Temer (MDB) foi preso.
Maia reagiu de maneira contundente: “Bolsonaro está brincando de presidir o país. Está na hora de parar de brincadeira”. “Abalados estão os brasileiros que estão esperando desde 1º de janeiro que o governo comece a funcionar. São 12 milhões de desempregados, 15 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza e o presidente brincando de presidir o Brasil”, atacou.
“Agora está na hora de a gente parar de brincadeira e está na hora de ele sentar na cadeira dele, de o Parlamento sentar aqui e a gente resolver em conjunto os problemas do Brasil”, disse o deputado.
O presidente da República contra-atacou: “Olha, se foi isso mesmo que ele falou, eu lamento. Não é palavra de uma pessoa que conduz uma Casa. Muita irresponsabilidade. Brincar? Se alguém quiser que eu faça o que os presidentes anteriores fizeram, eu não vou fazer”.
O dia acabou (finalmente) com uma tréplica de Rodrigo Maia, que pediu ao presidente: “Pare, chega, peça ao entorno para parar de criticar. O Brasil perde. A bolsa está caindo, a expectativa dos investidores está ficando menor. Ninguém ganha com isso. Vamos governar”, declarou Maia.