O secretário de Segurança Pública do Amazonas, o coronel da PM Louismar Bonates, negociou em 2015 a ampliação do poder da facção criminosa FDN (Família do Norte) no sistema carcerário em troca de “paz nas cadeias”, aponta investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.
Anos depois, a FDN protagonizou os dois episódios mais sangrentos em presídios do estado. No Ano-Novo de 2017, atacou integrantes rivais do PCC (Primeiro Comando da Capital). No domingo (26) e na segunda, uma cisão interna gerou mais uma onda de violência. Os dois episódios somam 122 assassinatos.
Batizada de La Muralla, a investigação reconstrói, a partir de mensagens, um encontro entre Bonates, então secretário de Administração Penitenciária da gestão José Melo (Pros), e José Roberto Barbosa, o Zé Roberto da Compensa, que está em um presídio federal e lideraria uma das duas divisões internas que vêm se enfrentando desde 2017.
A reunião ocorreu na biblioteca do Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), epicentro das duas matanças. Ali, Zé Roberto teria recebido duas garantias de Bonates: a de que não seria transferido a um presídio federal e a de que seriam extintos dois pavilhões do Centro de Detenção Provisória Masculino, ao lado do Compaj, onde o PCC mantinha seu reduto no estado.
Bonates também teria se comprometido a reformar o campo de futebol do Compaj.
Na época, Manaus enfrentava uma onda de assassinatos, com 38 mortos em julho de 2015, resultado de uma ordem dada pela FDN para atacar o PCC e a facção Esparta 300.
O acordo, revelado pelo jornal Folha de S.Paulo em janeiro de 2017, teria “garantido controle total da FDN sobre o sistema prisional em troca de manter as paz nas cadeias”, segundo a PF.
“A FDN saiu fortalecida deste lamentável episódio, alcançando domínio absoluto do sistema prisional”, diz o relatório.
Zé Roberto só foi transferido do Amazonas para um presídio federal em novembro de 2015, após a deflagração da Operação La Muralla.
A PF enviou o relatório ao Ministério Público Estadual, que não apresentou denúncia contra o secretário.
Bonates comanda a Segurança Pública do estado por escolha do governador Wilson Lima (PSC). Ex-apresentador de TV, ele se elegeu com um discurso de renovação política e apoiou Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno.
Lima nomeou também o filho de Bonates, Luis Mário, para o alto escalão. Inicialmente, ocupava o cargo de secretário-extraordinário do Governo. Em abril, tornou-se secretário-executivo de Projetos Especiais na Casa Civil.
Luis Mário é próximo da família Calderaro, dona da TV A Crítica, afiliada da TV Record. Lima fez a sua carreira ali, à frente do programa Alô, Amazonas, que mistura notícias policiais e comunitárias.
Procurada pela reportagem, a pasta informou que Bonates não responde a processo judicial ligado a essa investigação e que, portanto, não há nada que o impeça ocupar o cargo.
A reportagem enviou perguntas por escrito a Bonates, por meio de sua assessoria, mas não obteve resposta.
Em nota de janeiro de 2017, Bonates, na época sem cargo no governo, disse que conversou ao menos uma vez com “representantes da massa carcerária”, sem identificar quais, mas negou qualquer acordo.
Na nota, afirmou que não tratou com Zé Roberto sobre como evitar uma possível transferência do detento. O coronel disse ainda que “todas as vezes em que esteve nas unidades prisionais para tratar de assuntos com a massa carcerária, teve a preocupação de entrar em contato com a Secretaria Executiva Adjunta de Inteligência (Seai), informando o teor das conversas para que fossem monitoradas ‘a posteriori'”.
Gestora de presídio quer administrar unidades em SP
SÃO PAULO e MANAUS”A empresa responsável pela gestão dos presídios no Amazonas, locais de chacinas que somaram 122 presos mortos em dois anos, é uma das interessadas em administrar as quatro unidades prisionais oferecidas pelo governo de São Paulo.
A Umanizzare, com sede na capital paulista, foi uma das sete empresas que, no início deste mês, participaram de audiência pública realizada pela Secretaria da Administração Penitenciária e demonstraram interesse na licitação.
Também participaram da audiência as empresas Reviver, GPA (que administra presídio em Minas), Montesinos, Embrasil Seguranças, Grupo RS e Vivo Sabor, esta especializada em alimentos.
A gestão João Doria (PSDB) que entregar à iniciativa privada quatro CDPs (centros de detenção provisória) no interior, ainda neste ano.
Apesar dos problemas em Manaus, a Umanizzare pode ser contratada, porque tudo indica que a licitação deve prever a escolha da vencedora pelo menor preço ofertado e, no contrato, será exigido cumprimento de metas.
O custo do preso está estimado em entre R$ 3.800 e R$ 5.500, média mensal dos valores praticados no país, e vai depender da quantidade dos serviços contratados. No AM, o custo de um preso é de R$ 4.200, segundo a Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária).
O modelo utilizado na licitação paulista é parecido com o modelo em que a Umanizzare trabalha no Amazonas: o estado constrói os prédios e compartilha a gestão.
Em São Paulo, alguns postos de trabalho, como a da guarda de muralhas, por exemplo, não devem ser cedidos, assim como a diretoria-geral e o serviço de intervenção rápida.
O estado de São Paulo atingiu, neste mês, a maior população carcerária de sua história, superior a 235.775 pessoas, para 144.600 vagas disponíveis. Isso representa um déficit de 89.196 vagas.
Após a segunda matança no sistema prisional em pouco mais de dois anos, o governador do Amazonas, Wilson Lima (AM), sinalizou que não renovará o contrato para o Compaj, principal presídio do estado, com a Umanizzare, que vence no sábado. Apesar disso, a nova licitação deve demorar até 60 dias para ser aberta.