A seca nos rios amazônicos em 2024 já supera os níveis de 2023, quando mais de 200 botos-cor-de-rosa e tucuxis morreram devido ao superaquecimento das águas. Neste ano, embora as temperaturas extremas não tenham causado mortes em massa, dezenas de carcaças de mamíferos aquáticos foram encontradas, muitas com sinais de interação humana, como caça e pesca predatória.
O Lago Tefé, no Amazonas, vive uma seca histórica, com níveis de água 13,5 metros abaixo do registrado no início da estiagem. Carlos Magno, morador da região há 40 anos, relata que nunca viu um cenário tão preocupante e teme que a situação se agrave nos próximos anos, forçando sua família a abandonar a vida em flutuantes.
O Instituto Mamirauá realiza a medição do nível da água do Lago Tefé e outros rios na região do Médio Solimões. Foto: Instituto Mamirauá
Monitoramentos indicam que 69% dos municípios da Amazônia enfrentam níveis de seca superiores aos de 2023, com todos os 62 municípios do Amazonas em estado de emergência. A estiagem já afeta mais de 850 mil pessoas no estado, segundo o Boletim Estiagem 2024. Além disso, o superaquecimento das águas continua, com temperaturas chegando a 40 ºC em vários lagos.
Em 2023, a mortandade de botos no Lago Tefé foi inédita. Mais de 200 carcaças foram recolhidas, representando um impacto significativo para as espécies ameaçadas, que têm baixas taxas de reprodução. Neste ano, medidas preventivas evitaram uma tragédia similar, mas 14 mortes de botos e outros mamíferos ainda foram registradas, com indícios de interação humana.
Na seca extrema, a convivência com atividades humanas, como pesca e navegação, aumenta os riscos para os golfinhos da Amazônia. – Foto: Sea Shepherd Brasil
A intensificação da caça e da pesca predatória preocupa especialistas. Em Coari, próximo a Tefé, a organização Sea Shepherd encontrou 37 carcaças de mamíferos aquáticos, muitos com marcas de redes e facadas. A caça ao peixe-boi também persiste, com até 20 animais abatidos por dia, agravando a ameaça de extinção.
A relação entre pescadores e botos continua conflituosa. Pescadores relatam prejuízos causados pelos botos, que rasgam redes de pesca. Alguns chegam a defender a eliminação dos animais, intensificando a tensão. Além disso, antigas lendas e crenças sobre os botos ainda influenciam a perseguição a esses animais em algumas comunidades.
Para mitigar o conflito, iniciativas como o uso de dispositivos sonoros (pingers) para afastar botos das redes têm sido testadas. No entanto, a eficácia desses equipamentos é limitada, já que os botos adaptam seu comportamento ao ruído. Além disso, o custo elevado e a resistência de pescadores dificultam sua adoção em larga escala.
Apesar da seca severa, os botos parecem ter se deslocado para áreas mais seguras, evitando novas mortes em massa. Especialistas, como Miriam Marmontel, do Instituto Mamirauá, destacam que a preparação para a estiagem deste ano, com monitoramento intensivo e ações preventivas, ajudou a minimizar os impactos.
Corpos de botos e tucuxis resgatados no Lago Coari, no Amazonas, pela organização Sea Shepherd Brasil. – Foto: Sea Shepherd Brasil
Ainda assim, a vulnerabilidade dos mamíferos aquáticos aumenta com os baixos níveis de água, expondo-os a maiores riscos de interação humana. A conservação dessas espécies exige esforço contínuo para reduzir os impactos das secas e promover a convivência pacífica entre humanos e a fauna amazônica.
A seca histórica no Rio Solimões reduziu drasticamente o nível do Lago Tefé, que atingiu apenas 4,54 metros em outubro. – Foto: Alessandro Falco/ICMBio
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