Fabrício Queiroz diz se sentir culpado. Não pelos crimes investigados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra ele e o gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), de quem foi assessor por 12 anos. Mas sim pela crise política por que passa a família do presidente Jair Bolsonaro.
Pivô da investigação contra o senador, Queiroz reconheceu ter recolhido parte do salário de servidores do gabinete do então deputado estadual Flávio, de 2007 a 2018, na Assembleia Legislativa do Rio. O objetivo, disse Queiroz, era contratar assessores informais para o então deputado e ampliar a base eleitoral do filho do presidente da República.
Desde então, Flávio já afirmou que talvez tenha confiado demais no ex-assessor. A interlocutores o presidente Jair Bolsonaro já falou em traição, como informou a Folha de S.Paulo.
A defesa nega que a prática de contratar assessores informais seja um crime, mas o policial militar aposentado diz se sentir culpado pela crise política. Ele era uma espécie de chefe de gabinete de Flávio.
“Queiroz se sente culpado de alguma forma porque foi o pivô disso. Ele não se sente abandonado. Por isso não se revolta, não está chateado”, disse em entrevista à Folha de S.Paulo o advogado Paulo Klein, que defende o policial militar aposentado.
O advogado afirma que Queiroz não é uma ameaça à família porque não cometeu nenhum crime. Ele é descrito por seu defensor como “um cidadão comum, aposentado” em busca da cura de seu câncer.
“O Ministério Público diz que após três meses a defesa não provou que aquela versão é verdadeira. Mas eles em um ano e seis meses também não provaram que é mentira. E são eles quem têm que fazer essa prova, não eu”, disse o advogado.
Segundo o Ministério Público do Rio, há indícios robustos dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete de Flávio. Foi com base nesses indícios que a Promotoria solicitou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de 86 pessoas e nove empresas.
O senador Flávio Bolsonaro foi um dos atingidos pela medida, deferida pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. Uma das bases para a conclusão do Ministério Público foi o posicionamento da defesa do ex-assessor Fabrício Queiroz.
Pergunta – Onde está Queiroz?
Klein – Queiroz está em São Paulo cuidando da saúde dele. Não estou autorizado a dizer o estado de saúde. Ele não tem interesse em aparecer, em dar algum outro esclarecimento além daquele que já deu por petição. Entende que já deu os esclarecimentos necessários sobre o que ele fez. Acho que ele tem esse direito, até porque não é figura pública, não exerce mais cargo público.
Há a impressão de que ele está fugindo, se escondendo.
Klein – Ele não é uma figura pública. É um cidadão comum, aposentado. Ele tem o direito de preservar a privacidade dele. Ele precisa cuidar da saúde. Não está com um resfriado, mas um câncer.
A defesa teme uma prisão dele?
Klein – Não, porque ele não preenche nenhum dos requisitos para ser preso. Na medida do possível ele colaborou com a apuração dos fatos. Isso é sempre uma hipótese, mas na minha visão não há razão para isso. Até porque ele está com câncer, jogar ele no sistema carcerário seria uma medida perversa.
A defesa técnica também não acredita que alguém possa decretar prisão de alguém para forçar uma delação. Se esse é o objetivo, a prisão se torna ainda mais ilegítima. Para fazer uma colaboração, é preciso admitir um crime. E ele não admite crime nenhum.
Delação é um caminho de defesa?
Klein – Não, porque ele não confessa crime.
O Ministério Público entende que a descentralização de salários que ele fez já configura peculato.
Klein – É um equívoco. Na narrativa do Queiroz, os recursos por ele administrados [repassados por outros funcionários] foram empregados na mesma finalidade pública. Se não há desvio de finalidade, não há peculato. Se o Ministério Público tivesse esse indício de que é peculato, porque ele pediu a quebra de sigilo bancário e não ofereceu uma denúncia?
Talvez por que estejam apurando outros crimes?
Klein – Não, ali está delimitado. Já haveria elementos para denúncia. Não denunciou porque não há elementos mínimos de um crime. Eles estão quebrando sigilo porque estão buscando uma coisa que não têm. Depois de um ano e seis meses de investigação, eles não têm um mínimo de indício.
Flávio afirmou que talvez tenha confiado demais no Queiroz. O presidente Jair Bolsonaro já fala em traição. Como ele vê esse distanciamento que a família tenta manter dele?
Klein – O Queiroz tem até um sentimento de culpa. Acho que ele está errado, não tem culpa de nada. Mas, por lealdade à família, ele vê todo esse escândalo como algo ruim. E ele se sente culpado de alguma forma porque, de alguma forma, foi o pivô disso.
Ele não se sente abandonado. Por isso não se revolta, não está chateado. Eu não vejo uma conduta criminosa dele. Vejo que ele fez um trabalho que inclusive resultou em benefício para o próprio Flávio, porque aumentou a base de atuação do deputado, o que representou em aumento de votos.
Como o Flávio podia não saber dessa prática?
Klein – O Queiroz diz que tinha total autonomia.
Por que a defesa disse que iria entregar a lista dos assessores informais e até agora não entregou?
Klein – É uma escolha da defesa técnica. Na minha visão, não é o momento adequado. Eu não estou no processo. Ainda estou numa investigação. Neste momento, o ônus da prova ainda é da acusação. O Ministério Público diz que após três meses a defesa não provou que aquela versão é verdadeira. Mas eles em um ano e seis meses também não provaram que é mentira. E são eles quem têm que fazer essa prova, não eu.
O fato dessas transações serem feitas em dinheiro vivo, e não com transferência, não é suspeito?
Klein – Nós estamos no Brasil, um país em que impera a informalidade. Na base [eleitoral], onde há pessoas extremamente humildes, nem todo mundo tem acesso ao sistema bancário. O meio mais fácil é na base da informalidade. Essas pessoas não têm conta. E quem tem conta está no negativo e não quer que seja depositado.
O Ministério Público diz que a defesa do Queiroz quer desviar o foco sobre o senador Flávio.
Klein – É uma denúncia vazia. Se eles têm certeza disso, por que não denuncia?
Queiroz e a família Bolsonaro cortaram relações?
Klein – Ele foi para São Paulo para se tratar desde então. Se a família Bolsonaro está dando apoio a ele, até onde eu sei, não. Ele está cuidando da saúde com recursos dele e a família ajudando. Houve um distanciamento natural. A família Bolsonaro quis se distanciar até para evitar a alegação de que há um conserto de informações.
O sr. vê uma possibilidade de conflito de versões entre as defesas de Flávio e Queiroz?
Klein – Não vejo conflito.
Ele era mais próximo do Flávio ou do Jair?
Klein – Até onde sei, do Flávio, até por ser assessor dele há muitos anos. Lá atrás, ele foi colega de Exército do presidente.
Em razão dessa quebra e proximidade com a família, Queiroz tem sido visto como uma ameaça à família do presidente.
Klein – Ele é uma pessoa que nunca respondeu a uma ação penal. Ficou anos na Polícia Militar, que no Rio de Janeiro é tão problemática, e não tem nenhum histórico de problema. Cuida de toda família, é bem quisto onde mora. Nunca vi nada que o vinculasse a uma organização criminosa, milícia. Sempre complementou sua renda com negócios informais. Qual servidor não trabalhou na informalidade para complementar renda? Não enveredou para crime, não praticou extorsão ou entrou para a milícia. Ele complementou a renda dele com algo lícito. Não vejo nada que pudesse macular a imagem dele.
Não há registros formais das negociações de carros que Queiroz diz ter feito?
Klein – É porque compra e venda de carros em consignação não exige a transferência do veículo para quem negocia. Ele ganha a comissão pela intermediação.
Ele também indicou dois parentes de Adriano da Nóbrega [ex-PM acusado de comandar milícia].
Klein – Ele era até então um policial exemplar. Segundo eu soube, o Adriano tem uma história de bravura, de ser um excelente policial. Ele muda completamente depois que é acusado e fica preso. Quando ele sai [da cadeia], se afasta da mãe e da mulher. Ele entra num mundo cão e, para preservar a integridade da família, se afasta. Assim como do Queiroz.
Os cheques para a primeira-dama o vinculam ao presidente?
Klein – Ele já explicou. De fato houve esse empréstimo. No momento do empréstimo, a conta corrente dele estava negativa em R$ 20 mil. Ele era um cara enrolado financeiramente. Ele fazia negócios, tinha família grande. E tinha essa relação de amizade e confiança com o agora presidente.
Não chama a atenção o fato dele pedir esse dinheiro ao presidente e não ao Flávio, se ele era mais próximo ao senador?
Klein – Ele disse que se sentiu mais confortável de pedir para o Jair Bolsonaro.
Por que o sr. acha que a primeira-dama não foi alvo desta medida cautelar?
Klein – Foi uma estratégia do Ministério Público de fugir dessa discussão da competência.
Por que o sr. considera essa investigação ilegal?
Klein – Em relação à medida cautelar de afastamento, foi uma decisão contra todos os acusados de forma distinta sem fundamentar a razão [da quebra de sigilo] para cada um. A investigação começou sem objeto definido, contra um deputado estadual sem autorização do Tribunal de Justiça e houve quebra de sigilo bancário e fiscal por via transversa.
Pegaram as informações do Coaf [do governo federal] e foi cruzado com as informações cadastrais dos bancos no Laboratório de Lavagem de Dinheiro. A junção dessas informações viola o sigilo bancário.
Essa tentativa é vista por um leigo como medo da investigação.
Klein – Isso parte de um desconhecimento. Qualquer pessoa que tenha seu direito violado cabe a ela buscar o Judiciário para ver isso reparado. Essa investigação está fora das balizas legais.
Por que o Ministério Público está conduzindo assim a investigação?
Klein – Isso não é algo fora da curva. Isso costuma ocorrer e o Judiciário acaba suspendendo a investigação. Essa decisão sobre [o ex-presidente Michel] Temer é um freio de arrumação. A 6ª Turma do STJ deu um recado claro de que isso não será tolerado.
A família Bolsonaro sempre foi uma defensora árdua de investigações do tipo. Algo mudou?
Klein – A família Bolsonaro, assim com todo família de bem, é a favor de investigações dentro do balizamento legal. A família não é contra nem meu cliente.
Bolsonaro diz que estão querendo atingi-lo.
Klein – Eu vejo isso. Mais uma vez estamos em vias de aprovar a reforma da Previdência. Isso não interessa a determinados grupos. Essa discussão tira o foco do governo, mais uma vez. Isso já foi feito na época do Temer. É muita coincidência.
É um objetivo do Ministério Público?
Klein – Não acho que o Ministério Público queira atender interesses escusos. Acho que grupos utilizam esse fato para movimentar essa questão.