Em inédito processo de impeachment aberto na Câmara do Rio, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) terá dez dias para se defender da denúncia de irregularidades na renovação, por 20 anos, da concessão de mobiliário urbano. Ao mesmo tempo, terá de costurar sua desgastada relação com os vereadores. O placar da última terça-feira não deixa dúvidas de que será difícil: com 35 votos a favor da ação e só 14 contrários, Crivella terá que se explicar ao Legislativo. O resultado, que era previsto e exigia apenas maioria simples, surpreendeu com dois terços da Casa contra o governo. A previsão é que a decisão da Câmara sobre o destino político de Crivella ocorra em julho. Um eventual impeachment depende de dois terços dos vereadores, marca atingida ontem.
O prefeito deverá expor seus argumentos por escrito, em vez de ir à Câmara ou indicar representante. Após notificá-lo, a Casa, que já constituiu uma comissão para conduzir o processo, terá 90 dias para decidir pela cassação ou manutenção de seu mandato. Com a missão de contornar a crise do prefeito com a Câmara, Paulo Messina, que deixou a Secretaria da Casa Civil e reassumiu o mandato de vereador, não conseguiu reverter os votos dos colegas. Ele evitou apenas que seu suplente, Jimmy Pereira (PRTB), também votasse a favor da medida. No plenário, Messina, que, ao longo do dia, teve reuniões a portas fechadas com com vereadores, defendeu que a acusação deveria ser caso de CPI, nunca de um pedido de impeachment.
— Como prova de que o governo não tem medo de investigação, vou assumir a palavra, diante de vocês, de que serei o primeiro a assinar a abertura de uma CPI se o impeachment for rejeitado. O impeachment não pode ser usado para pressão política — argumentou Messina.
Pela primeira vez desde a redemocratização do país, um prefeito do Rio enfrenta um processo de impeachment. O plenário que decidiu estava completo, com 51 vereadores. Antigos aliados de Crivella, como Marcelo Siciliano (PHS) e Carlos Bolsonaro (PSC) voltaram contra o prefeito. Na eleição de 2016, a família Bolsonaro pediu votos para Crivella. Só o presidente da Casa, Jorge Felippe (MDB), não votou, porque está na linha sucessória do prefeito.
Houve, anteriormente, outros dois pedidos de processo de afastamento. O primeiro foi por causa do episódio conhecido como “Fala com a Márcia”, no qual, em reunião com líderes evangélicos, ele orientava a buscar a funcionária Márcia para agendar procedimentos médicos. O segundo foi por causa de reunião política com funcionários da Comlurb.
Crivella teve sorte: os três integrantes da comissão sorteados ontem são Paulo Messina, Luiz Carlos Ramos (PODE), fiel escudeiro do prefeito, e Willian Coelho (MDB). Este último, que chegou a integrar a base de Crivella, rompeu recentemente com o governo. O motivo teria sido o descumprimento de acordos políticos.
Nos próximos dias, uma nova tentativa de mudança na Lei Orgânica pode acontecer, o que permitiria que, em caso de aprovado o impeachment, o Legislativo indicasse o nome do sucessor de Crivella. Ao falar sobre o trâmite, o presidente da Câmara, Jorge Felippe, admitiu a possibilidade de uma eleição indireta na Casa, o que só seria possível com a mudança.
No Facebook, Crivella defendeu-se, alegando que o denunciante é um fiscal que foi demitido do cargo: “pessoas mal intencionadas recorrem a mentiras e calúnias para me atingir. Não cometemos nenhuma ilegalidade”.