A Polícia Federal apontou 26 pessoas como suspeitas de integrar uma suposta organização criminosa que atuava no extinto Ministério do Trabalho para desviar recursos de contribuições sindicais feitas por trabalhadores.
Entre os implicados estão o deputado federal Paulo Pereira da Silva (SP), presidente nacional do Solidariedade, e o advogado Tiago Cedraz, filho do ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Aroldo Cedraz.
O relatório final do inquérito sobre o caso, investigado nas fases 4 e 5 da Operação Registro Espúrio,foi remetido na última segunda (11) ao Supremo Tribunal Federal.
Caberá agora ao MPF (Ministério Público Federal) decidir se denuncia os envolvidos. A maioria dos fatos investigados se deu entre 2016 e 2018, no governo Michel Temer (MDB).
Segundo o inquérito, Paulo Pereira da Silva, conhecido como Paulinho da Força Sindical, e o ex-secretário do Ministério do Trabalho Leonardo Arantes eram líderes da suposta organização. Arantes é sobrinho do deputado federal Jovair Arantes (PTB-GO).
Os três foram investigados em etapas anteriores da Registro Espúrio, que mira vários esquemas de corrupção e desvio de recursos na pasta para favorecer políticos ligados a partidos que controlavam a pasta. Em agosto, foram denunciados pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por negociar ilicitamente a concessão de registros sindicais.
A investigação recém-concluída aponta a cobrança de propinas para liberar, de forma fraudulenta, restituições de contribuições sindicais -espécies de tributos recolhidos de trabalhadores e patrões, pagos a sindicatos, confederações e federações.
As restituições são destinadas às entidades que não receberam ou receberam menos do que deveriam. Isso ocorre, por exemplo, quando há falhas nos sistemas de informática ou remessa a instituições que não fazem jus aos valores. O dinheiro fica retido na Conta Especial Emprego e Salário, mantida pelo governo na Caixa.
Os pedidos de restituição, segundo a PF, eram manipulados pelo grupo investigado mediante o pagamento de propinas. O relatório aponta que cerca de R$ 13 milhões foram liberados ilicitamente.
“A organização criminosa se apoderou do Ministério do Trabalho, ocupando os principais cargos da pasta. Os membros do bando não demoraram muito a perceber que os valores mantidos na Conta Especial Emprego e Salário poderiam ser facilmente surrupiados”, escreveu o delegado Leo Garrido de Salles Meira, responsável pela Registro Espúrio.
Para viabilizar os desvios, segundo ele, o grupo investigado se valeu “do mesmo estratagema adotado em relação às fraudes nos processos de registro sindical: concentração de todos os atos administrativos no seio da organização”.
Mensagens interceptadas pela PF indicam que as autoridades do ministério e outros envolvidos no suposto esquema agiam sob o comando de Arantes e Paulinho da Força, indiciados sob suspeita de organização criminosa.
Essa ingerência se dava, segundo a PF, principalmente sobre o ex-secretário de Relações de Trabalho Carlos Lacerda (outro indiciado), que tratava internamente dos pleitos do deputado.
Teria partido do congressista o pedido para que Tiago Cedraz e seu sócio, Bruno Galiano, trabalhassem por alterações na portaria que disciplina as restituições, de forma a facilitar a liberação de recursos, moldando-a aos seus interesses.
Os dois foram indiciados sob suspeita de peculato (subtração de recursos públicos), corrupção ativa e organização criminosa.
Segundo o relatório, eles atuaram para que o dinheiro de restituições fosse desviado para a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil. Propinas a dois servidores do ministério teriam sido pagas pelo Cedraz Advogados, banca do filho do ministro do TCU.
Tiago é secretário de Assuntos Jurídicos do Solidariedade e advogado de Paulinho da Força. “Ao que tudo indica, essa relação de cumplicidade garantia ao escritório de Tiago Cedraz ‘facilidades’ no âmbito da Secretaria de Relações de Trabalho [braço do extinto ministério]”, afirma o delegado em seu relatório.
OUTRO LADO
Procurados pela reportagem, as assessorias de Paulinho da Força e do escritório de Tiago Cedraz não se pronunciaram até a publicação deste texto.
Em notas recorrentes à imprensa, o deputado tem atribuído a vinculação de seu nome a irregularidades no Ministério do Trabalho a possível perseguição. “O deputado é o maior defensor da pauta trabalhista no Congresso e, por isso, tem incomodado diversas pessoas com sua atuação incisiva na defesa do trabalhador brasileiro”, alega.
Em nota divulgada em setembro, a Cedraz Advogados externou sua “profunda indignação” com o que chamou de abusos cometidos pela Polícia Federal.
A banca afirmou que as discussões sobre mudanças numa portaria do ministério se deram dentro da legalidade e com transparência.
“As reuniões sobre o assunto defendido pelo escritório se deram com a transparência e formalidade necessárias, sempre na presença do MPT [Ministério Público do Trabalho], da AGU [Advocacia-Geral da União], da Caixa e do MTB [Ministério do Trabalho]”, informou.
Na mesma época, também por escrito, Galiano sustentou “nunca ter cometido qualquer ato ilegal” na representação de seus clientes.
A reportagem não localizou Carlos Lacerda e Leonardo Arantes ou seus representantes.