A Polícia Federal confirmou 63 hospedagens do pastor Arilton Moura e uma do pastor Gilmar Santos em um hotel de Brasília usado por eles como QG para negociações de verbas federais com prefeitos.
Como a Folha de S.Paulo revelou em março, os pastores -próximos do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-ministro Milton Ribeiro- usavam o hotel Grand Bittar para receber prefeitos e assessores e negociar liberação de recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Eles nunca tiveram cargo no governo.
A reportagem indicou que funcionários do MEC também circulavam com grande frequência no local, no setor hoteleiro Sul da capital federal. O que também foi confirmado pela PF.
Ribeiro foi preso na quarta (22) e solto no dia seguinte por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça). As investigações de um balcão de negócios no MEC miram também Gilmar Santos, Arilton Moura, Luciano de Freitas Musse e Helder Bartolomeu, genro de Arilton.
Há suspeita de interferência de Bolsonaro na investigação. Sua defesa nega.
A presença mais recorrente no hotel era a de Arilton Moura. Ele se hospedou 10 vezes em 2020, outras 38 em 2021 e, neste ano, esteve em 10 oportunidades no local.
A última vez que Arilton fez chek-in hotel foi em 21 de março. É o mesmo dia em que a Folha revelou áudio em que o ex-ministro diz que priorizava pedidos do pastor Gilmar e que isso ocorria a partir de pedido de Bolsonaro. Ele fala ainda em um apoio que seria destinada a igrejas.
Ele fez check-out no dia 23 de março e, segundo os registros colhidos pela PF, não voltou mais ao local.
Em março, dois funcionários relataram à reportagem que o pastor Arilton chegou a exibir uma barra de ouro no restaurante do hotel -isso teria ocorrido em meados de 2021.
Há registro de apenas uma estadia do pastor Gilmar, em 9 de setembro de 2021. Mas os relatos de prefeitos, assessores e funcionários do hotel indicam que ele circulava com assiduidade pelo lobby e restaurante do mezanino.
Já o ex-assessor do MEC Luciano Musse hospedou-se por 29 vezes no Grand Bittar. Foram 24 em 2021 e 5 neste ano.
A PF ressalta as datas coincidentes em que Musse e Arilton hospedaram-se ao mesmo tempo. Das dez vezes que isso ocorreu entre 2021 e 2022, em sete delas Luciano Musse já estava no cargo de gerente de projetos da secretaria-executiva do MEC.
Ele fora nomeado em 6 de abril e só foi exonerado em 29 de março, um dia depois que Milton Ribeiro se deligou do cargo. Antes de entrar para o MEC, ele integrava a comitiva dos religiosos e esteve em ao menos três encontros oficiais com o ministro Milton Ribeiro.
Luciano Musse foi para o MEC depois que a pasta não conseguiu nomear o pastor Arilton Moura. O atual ministro da Educação, Victor Godoy Veiga, é quem tocou os trâmites.
“Luciano, no contexto investigativo até aqui delineado, atuando juntamente com os pastores Arilton, é personagem importante no suposto esquema de cooptação de prefeitos para angariar vantagens pessoais através do direcionamento ou desvio de recursos do FNDE/MEC a pretexto de atender políticos/prefeituras”, diz a PF no inquérito.
E continua: “Caracterizando, hipoteticamente, uma sofisticada captação ilegal de recursos públicos com a eventual ‘infiltração’ de operador financeiro na gestão da pasta”.
A pedido de Arilton, Musse recebeu R$ 20 mil nas tratativas para realizar um evento com Milton Ribeiro em uma cidade do interior de São Paulo.
Os investigadores confirmaram declaração do prefeito de Jaupaci (GO), Laerte Dourado (PP), de que Luciano Musse fez o convite para o encontro com os pastores no hotel Grand Bittar.
Relatos de reuniões com prefeitos no hotel, seguidas de encontros com Milton Ribeiro, coincidem com as estadias. Tanto Luciano como Arilton estavam hospedados em 5 de janeiro deste ano, quando o prefeito de Rosário (MA), Calvet Filho (PSC), gravou um vídeo com o ministro direto do apartamento dele, na Asa Norte de Brasília. Calvet encontrou-se com os pastores no hotel, segundo relatos -o que ele negou à reportagem.
Em 16 de fevereiro deste ano, a prefeita de Bom Lugar (MA), Marlene Silva Miranda (PC do B), esteve no hotel com os pastores e, no mesmo dia, participou de encontro com Milton Ribeiro e os religiosos no MEC. A cidade conseguiu liberações de recursos dias após essa agenda.
Arilton Moura hospedou-se entre 14 e 18 de fevereiro no hotel, de acordo com os dados da PF.
Em 15 de abril do ano passado, os pastores participaram de evento no MEC, em posição de destaque ao lado do ministro e, no mesmo dia, negociaram obras de educação com gestores no Grand Bittar e no restaurante Tia Zélia. É nesta data que teria havido o pedido de propina em ouro relatado pelo prefeito Gilberto Braga, de Luis Domingues (MA).
Tanto Arilton quanto Luciano Musse estavam hospedados no Grand Bittar nessa época. Luciano, entre os dias 12 e 16 daquele mês; Arilton, de 13 ao dia 16.
No dia em que foi preso, Arilton diz a uma advogada que vai “destruir todo mundo” caso aconteça algo com sua “menininha” -o que parece ser relacionado à mulher dele.
“Eu preciso que você ligue para a minha esposa… acalme minha esposa… porque se der qualquer problema com a minha menininha, eu vou destruir todo mundo!”, diz ele em contato com uma advogada. O diálogo foi colhido pela PF por interceptação telefônica.
O processo foi remetido para o STF (Supremo Tribunal Federal) depois que foi identificada possível interferência do presidente Bolsonaro na investigação. Em um telefonema interceptado pela Polícia, Ribeiro diz que falou com Bolsonaro e este lhe adiantou que achava que haveria operação contra o ex-ministro.
A Folha não conseguiu falar com a defesa dos pastores e com o ex-assessor do MEC neste fim de semana.
A defesa de Bolsonaro nega qualquer interferência. Neste sábado (25), ignorou as suspeitas levantadas na investigação sobre o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, e, durante discurso em evento evangélico em Balneário Camboriú (SC), repetiu o discurso de que as eleições de 2022 representam uma “luta do bem contra o mal”.