Morreu nesta sexta-feira, dia 16, aos 69 anos, em São Paulo, o compositor amazonense José Carlos Portilho.
Ele lutava contra a Covid-19 e as sequelas do vírus desde o dia 24 de fevereiro, quando foi diagnosticado com a doença.
No dia seguinte, viajou para São Paulo e se internou no hospital São Camilo, onde foi intubado no dia 4 de março.
Chegou a ser extubado no dia 8, mas submeteu-se ao mesmo procedimento três dias depois, com o agravamento do quadro.
Guinada musical
J. Carlos Portilho ou Periquito, como era conhecido em Parintins, pode ser considerado como o mais importante compositor da história da toada do boi bumbá Caprichoso.
Ele é tido como o maior descobridor de talentos musicais do festival folclórico da ilha, de todos os tempos.
Foi ele que, por exemplo, descobriu o já falecido levantador de toadas Arlindo Júnior em 1988.
Também foi Portilho que levou para a toada David Assayag, quando produziu o primeiro LP do bumbá, também em 1988.
Além disso, descobriu o poeta Horacio Farias, autor da toada de despedida “Brinquedo da Lua”.
Descobriu ainda o hoje maestro Neil Armstrong, da orquestra de violões do Amazonas, e os músicos Silvio Cameleão, Geraldo Brasil, Rei Azevedo, entre outros.
Esses artistas faziam parte do Sangue Azul, primeiro grupo musical formado pelo Caprichoso.
Paradigma azul e branco
J. Carlos Portilho pode ser considerado também o recomeço musical do Caprichoso.
Ele surgia para pôr fim a um hiato de composições deixado por Raimundinho Dutra, que havia saído de Parintins para morar em Manaus, embora ainda continuasse compondo para o azul.
No dia 28 de janeiro de 2017, ao participar do programa #Toadas, do BNC AMAZONAS, Portilho lembrou como foi iniciado no festival de Parintins.
“O primeiro convite foi feito pelo Cardovan, dona Norma Medeiros, Geraldo Medeiros, Tico e o Acinelson (Vieira). Eu resisti, mas mesmo assim eu vi isso como uma oportunidade. E aceitei”.
Os nomes citados por ele eram de pessoas que comandavam o Caprichoso, naquela época.
O bumbá, anos sem novas toadas, estava pressionado pelo Garantido, que possuía um caudaloso e talentoso grupo de poetas, como Lindolfo Monteverde, Vavazinho, Ambrósio, Pitombeira, Emerson Maia e já percebia a chegada de novos talentos como os irmãos Tony e Inaldo Medeiros, Braulino Lima, Manoel Aporcino e Paulinho Du Sagrado.
O Caprichoso estava sem referência.
Portilho era o nome mais próximo. Era sucesso nos arraiais da cidade, na rádio Alvorada, no Cine Teatro da Paz e nos festivais de música de que participava.
Além disso, ele era da bairro da Francesa, reduto tradicional do bumbá.
Portilho aceitou o desafio e não apenas compôs, mas também virou a página musical do Caprichoso, sendo considerado hoje um dos responsáveis pela guinada musical experimentada pelos dois bumbás de Parintins.
Servidor do Banco do Brasil, em condição financeira melhor do que a de seus parceiros da época, Portilho preocupou-se com os registros históricos do período e a divulgação da toada.
Por isso, transformou o quintal de sua casa em estúdio de gravação. Produziu as primeiras fitas k7 nos idos dos anos de 1980 e ali também liderou a gravação do primeiro disco do Caprichoso em 1988.
Toadas inesquecíveis
Ao mesmo tempo em que trabalhava os registros históricos e a divulgação das toadas de seu Caprichoso, Portilho entregava à música obras inesquecíveis, não apenas para o Caprichoso, mas para todos que apreciam toadas.
Entre essas obras está “Bem vindo os visitantes” (Sejam bem vindos os visitantes que vem nos trazer o seu alô).
Compôs também “Sonho de Artista” (Cheguei de lá do Norte, trago a sorte e a paz que sempre sonhei), gravada pelo Carrapicho, quase dez anos antes do sucesso do Tic, Tic, Tac.
Fez homenagem a Maués com a toada “Maués, terra encantada” (Maués, mostra a cultura que tens e que és/ Pedaço de chão brasileiro…).
Com Rui Machado, fez “Tempo de Festa” (No mês de junho, eu vou brincar/ A vida é festa/ Eu vou brinca de boi/ A gente ouve entoar um canto, um canto forte chamando o meu boi…).
Com Giancarlo Pessoa compôs “Luz, Mistério e Magia”, imortalizada na voz de Arlindo Júnior (Luz, o palco de ilumina/ É brilho, luz e vida/ O povo está em festa pra brincar de boi bumbá,…).
Toada e política
Portilho ainda mostrou sua veia crítica na política, usando a toada como instrumento.
E foi logo na primeira música que compôs para o Caprichoso, em 1983. Com a toada, ele fazia coro à campanha pelas Diretas Já. A letra dizia:
“Alô meu povo quer votar
Pra presidente desta nação brasileira
Diretas já, minha gente
Votando pra presidente
Hoje eu me sinto orgulhoso em ser Caprichoso
Quem viver verá que este é meu canto de guerra
Desfraldando o azul e branco do campeão desta terra”.
Aos amigos do peito
Mas, em Parintins, Portilho será sempre lembrado pelos “Aos amigos do Peito”, música que compôs para participar de festival da canção local em 1985.
A música ficou em segundo lugar na escolha dos jurados, mas em primeiro na memória e no coração do povo parintinense.
*Via: BNC