O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou nesta quinta (2) não concordar com a proposta do governo Jair Bolsonaro de dar salvo-conduto a donos de terra que atirarem em quem tentar invadir suas propriedades.
Maia, que está em viagem ao exterior, disse à Folha de S.Paulo não ter conversado sobre o tema com Bolsonaro no encontro de uma hora e meia que os dois tiveram no domingo (28).
“Não concordo”, disse. “Ele conversou comigo sobre a posse estendida no campo [permitir o porte de arma não só na casa, mas em toda o perímetro da propriedade rural], isso eu concordo e acho que a maioria das pessoas concorda. O outro assunto ele não tratou comigo”, afirmou.
Maia não quis dizer se dará ou não prioridade a eventual projeto de salvo-conduto vindo do Executivo, se limitando a dizer ser contra a proposta.
No dia seguinte ao encontro com o deputado, Bolsonaro afirmou na Agrishow (Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação) que enviará à Câmara dos Deputados o projeto de salvo-conduto.
“Vai dar o que falar, mas uma maneira que nós temos de ajudar a combater a violência no campo é fazer com que, ao defender a sua propriedade privada ou a sua vida, o cidadão de bem entre no excludente de ilicitude. Ou seja, ele responde, mas não tem punição. É a forma que nós temos que proceder. Para que o outro lado, que desrespeita a lei, tema vocês, tema o cidadão de bem, e não o contrário.”
A “exclusão de ilicitude” citada pelo presidente está prevista no Código Penal, que estabelece não haver crime quando o ato for praticado em algumas situações, entre elas legítima defesa.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, fez um breve comentário sobre o assunto na quarta (1º), afirmando que a promessa do presidente ainda é uma discussão “prematura”.
“São questões que estão sendo discutidas dentro do governo. Antes de ter no papel exatamente o que vai se propor, quais são os limites do que vai se propor e tal, é muito prematura essa discussão”, afirmou.
Para virar lei, tanto o projeto de extensão da posse para todo o perímetro da propriedade quanto eventual salvo-conduto precisam ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.
Nem Bolsonaro nem o governo disseram de que forma a proposta será enviada à Câmara, se por meio de projeto de lei ou por proposta de Emenda à Constituição. Nesse último caso, é preciso o apoio de pelo menos 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores para aprovação.
Apesar de as intenções de Bolsonaro terem sido comemoradas por ruralistas, entidades ligadas aos trabalhadores rurais afirmam que as medidas devem agravar os conflitos no campo. Nos últimos 33 anos, disputas fundiárias deixaram quase 2.000 mortos no país, mas só 8% dos casos foram levados a julgamento.
Além disso, especialistas em direito afirmam que o projeto de salvo-conduto conflita com a Constituição e poderá ser barrado no Supremo Tribunal Federal (STF) caso vire lei.
A oposição a Bolsonaro também criticou a proposta.
“Bolsonaro quer mandar projeto para Câmara que isenta de punição proprietários rurais que atirarem em invasores de suas áreas. É autorização para permitir que os ruralistas façam a Justiça pelas próprias mãos e sem punição. Quer desencadear a guerra no campo”, escreveu nas redes sociais o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP).
“Bolsonaro, defensor da ditadura militar e do crime de tortura, pede democracia na Venezuela. Enquanto isso, aqui estimula o genocídio de pobres na cidade e no campo com licença para matar dado a policiais e ruralistas”, criticou, também nas redes, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).
Jerônimo Goergen (PP-RS), deputado federal ligado ao agronegócio e integrante da base do governo, defendeu a proposta. “O que o presidente está querendo dizer não é que poderá matar, mas para o ladrão não ir assaltar. É uma lei mais dura, um aviso de ‘não vai lá que pode morrer.'”
Para ele, a lei se aplicaria não apenas a invasões de terra, mas a roubos de defensivos agrícolas, tratores e de animais.
*Folhapress