A força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba mudou de tom sobre as mensagens atribuídas aos seus procuradores desde as primeiras divulgações pelo site The Intercept Brasil, no domingo (9).
Nas primeiras notas oficiais e declarações públicas, o grupo dedicou-se principalmente a negar que os diálogos revelassem algum tipo de impropriedade, embora já aventasse chance de fraude no conteúdo tornado público.
Desde quarta (12), a ênfase passou a ser a possibilidade de conversas terem sido falsificadas pelo hacker que teria invadido celulares de investigadores -segundo a Polícia Federal, ele obteve informações ao menos do aparelho do coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol.
A mudança no discurso dos integrantes do MPF (Ministério Público Federal) se deu após especialistas em direito e o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), declararem que, embora as mensagens possam ter sido obtidas de forma criminosa, isso não necessariamente anula provas obtidas a partir delas.
Sendo assim, elas podem, eventualmente, servir de base para anular decisões na Lava Jato caso se entenda que, ao trocar mensagens com Deltan, o ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça, feriu o dever de imparcialidade por, supostamente, colaborar com o MPF em processos que estavam sob seu crivo.
À Folha de S.Paulo professores de direito destacaram, já na segunda (10), que nenhum dos dois negaram a veracidade dos diálogos, o que indicava sua autenticidade. Ativeram-se apenas a atacar as interpretações dadas a eles pelo Intercept e as críticas que se seguiram.
Logo após a divulgação das primeiras mensagens, no domingo (9), a força-tarefa divulgou nota em que denunciava a “ação vil do hacker” que invadiu “telefones e aplicativos de procuradores”.
“Não se sabe exatamente ainda a extensão da invasão, mas se sabe que foram obtidas cópias de mensagens e arquivos trocados em relações privadas e de trabalho”, informou nota do grupo, destacando a lisura de suas práticas. “Há a tranquilidade de que os dados eventualmente obtidos refletem uma atividade desenvolvida com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial”, disse.
Num vídeo divulgado na segunda, Deltan disse ter receio de que “a atividade criminosa dele [hacker] avance agora para falsear e deturpar fatos”. Mas gastou mais tempo justificando o comportamento evidenciado por mensagens a ele atribuídas, como as que indicaram que foi aconselhado por Moro.
“É normal que procuradores e advogados conversem com o juiz, mesmo sem a presença da outra parte”, afirmou.
Ele também aludiu a trecho no qual, segundo o Intercept, duvidou das provas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes de denunciá-lo pelo caso do tríplex. “Antes da acusação criminal, o MP revisa, submete a intensa crítica, analisa e reanalisa fatos e provas”, justificou.
Em nova nota, publicada na terça (11), a força-tarefa reiterou a preocupação com mensagens fraudulentas ou tiradas do contexto. Mas, ao rebater as reportagens do site, defendeu as práticas dos procuradores.
Um dos trechos, por exemplo, tratou da possibilidade de condenados falarem com a imprensa. Nas mensagens publicadas, os procuradores discutem estratégias para reduzir o impacto eleitoral de uma entrevista de Lula na prisão durante a campanha de 2018.
“A força-tarefa entende que a prisão em regime fechado restringe a liberdade de comunicação dos presos, como já manifestado em autos de execução penal, o que não se trata de uma questão de liberdade de imprensa. O entendimento vale para todos os que se encontrem nessa condição, independentemente de quem sejam”, disse o comunicado.
Nesta quarta (12), o foco do grupo passou a ser a eventual falsificação de mensagens. Outra nota sustentou que “novos ataques” a celulares “confirmam a possibilidade de hacker fabricar diálogos usando perfis de autoridades”.
“A divulgação de supostos diálogos obtidos por meio absolutamente ilícito, agravada por esse contexto de sequestro de contas virtuais, torna impossível aferir se houve edições, alterações, acréscimos ou supressões no material alegadamente obtido. Além disso, diálogos inteiros podem ter sido forjados pelo hacker ao se passar por autoridades e seus interlocutores”, escreveu a força-tarefa.
Ela acrescentou que uma “informação conseguida por um hackeamento traz consigo dúvidas inafastáveis quanto à sua autenticidade, o que inevitavelmente também dará vazão à divulgação de fake news”.
No caso de Moro, as manifestações públicas lançaram dúvidas sobre a autenticidade das notas. No entanto, desde domingo, ele não nega que seja o autor das mensagens por ora divulgadas e defende as condutas por elas explicitadas.
“Quanto ao conteúdo das mensagens que me citam, não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias”, afirmou, em nota divulgada no domingo.
Em entrevista no dia seguinte, em Manaus, o ministro disse não ver “nada demais” nos diálogos a ele atribuídos e que não consta “nenhuma orientação ali”.
Ele não foi categórico sobre a fidedignidade do conteúdo: “Nem posso dizer que são autênticas, porque são coisas que aconteceram, se aconteceram, anos atrás. Não tenho mais essas mensagens, não guardo mais registro disso”.
Na terça (11), nova nota, divulgada após encontro de Moro com o presidente Jair Bolsonaro, destacou o caráter criminoso dos vazamentos.
“O ministro rechaçou a divulgação de possíveis conversas privadas obtidas por meio ilegal e explicou que a Polícia Federal está investigando a invasão criminosa. A conversa foi bastante tranquila. O ministro fez todas as ponderações ao presidente, que entendeu as questões que envolvem o caso.”