Um grupo de 30 juízes federais de várias partes do país pediu nesta segunda-feira (24) à Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) a suspensão cautelar do ministro Sérgio Moro “das atividades associativas, inclusive da participação na Lista Ajufe”, um grupo de discussão dos magistrados por e-mail.
Os magistrados querem também que a Ajufe apure as circunstâncias das conversas travadas entre Moro e membros da Lava Jato no MPF (Ministério Público Federal), segundo revelado pelo site The Intercept Brasil. Se confirmadas, dizem os juízes, Moro deveria perder o título de sócio benemérito da entidade, que já foi aprovado pela diretoria mas ainda não foi oficialmente concedido.
“Entendemos que as condutas expostas na publicação jornalística, caso confirmadas, são totalmente contrárias aos princípios éticos e às regras jurídicas que devem reger a atuação de um magistrado, pois quando um juiz atua de forma parcial, chegando ao ponto de confundir sua atuação com a do órgão acusador, a credibilidade do Poder Judiciário é posta em xeque”, diz a representação encaminhada pelos juízes federais.
Em outubro passado a diretoria da associação aprovou o título de sócio benemérito de Moro na Ajufe, uma condição especial reservada a poucas pessoas. O título ainda não foi oficialmente concedido. De acordo com o estatuto da entidade, a honraria é concedida a pessoas ou empresas “que contribuíram com serviços relevantes à Ajufe”, mesmo que não magistrados. Moro deixou a magistratura para assumir o Ministério da Justiça no governo Bolsonaro.
O grupo de 30 juízes pede que seja aberto um processo administrativo disciplinar pela própria Ajufe, conforme previsto em seu estatuto. Se as apurações internas confirmarem as “condutas apontadas, se configurado o desrespeito ao Estatuto [da associação] e o prejuízo moral causados à Ajufe, ao Poder Judiciário e ao Estado Democrático de Direito”, os juízes pedem que Moro seja excluído do quadro social da Ajufe. A entidade representa cerca de 2 mil juízes federais no país.
“As reportagens em questão indicam que pode ter havido uma interação heterodoxa entre o então magistrado Sérgio Moro e membros do MPF. São narrados, no corpo das matérias, série de episódios que, caso venham a ser confirmados, são de extrema gravidade. Segundo os diálogos, o representado aconselha e orienta a acusação, cobra agilidade; refere-se a pessoas delatadas como inimigos, sugerindo que apenas 30% sejam investigados; fornece ‘fonte’ a membro do MPF; sugere a substituição de uma procuradora em determinada audiência, demonstrando preocupação com o desempenho da acusação; antecipa decisão a uma das partes, e desdenha da Defesa”, diz a representação.
Os magistrados também afirmaram que a divulgação das mensagens por jornalistas está protegida pela Constituição. “Em que pese a controvertida legalidade na forma de obtenção das referidas mensagens, a merecer investigação sob as regras do devido processo legal e as garantias constitucionais, a divulgação por órgão de imprensa está protegida pelo artigo 5º, inciso XIV, da Constituição da República”, diz a representação dos magistrados.
Os juízes pedem que o processo administrativo seja instaurado e que Moro possa ter direito à ampla defesa. Mas pedem a exclusão da homenagem ao ex-juiz, caso a apuração confirme o teor do que vem sendo divulgado. “Os fatos revelados na matéria jornalística, não negados pelo representado, se porventura comprovados, indicariam ofensa ao Estado Democrático de Direito, comprometimento da imparcialidade da jurisdição e fomento de descrédito do Poder Judiciário como um todo e da Justiça Federal, em especial. Entendemos, portanto, que a confirmação da prática de tais condutas impede a homenagem ou o título honorífico por parte da Ajufe, sob pena de comprometimento da credibilidade da associação e do próprio Poder Judiciário perante a sociedade”, afirma a representação dos magistrados.
Procurada, a assessoria de Moro não havia comentado o assunto até o fechamento deste texto. A Ajufe informou que vai analisar o pedido dos magistrados e deverá se manifestar oficialmente nesta terça-feira (25).
Os juízes que subscrevem a peça são Ana Inés Algorta Latorre, Carlos Adriano Miranda Bandeira, Catarina Volkart Pinto, Célia Regina Ody Bernardes, Cláudia Dadico, Cláudio Henrique Fonseca de Pina, Diego Carmo de Sousa, Fábio Henrique Rodrigues de M. Fiorenza, Felipe Mota Pimentel de Oliveira, Filipe Aquino Pessôa de Oliveira, Gilton Batista Brito, Heloísa Helena Sérvulo da Cunha, Ivo Anselmo Höhn Junior, Jacques de Queiroz Ferreira, Jailsom Leandro de Sousa, Jorge Luís Girão Barreto, José Carlos Garcia, Lincoln Pinheiro Costa, Luciana Bauer, Marcelo Elias Vieira, Marcelo Motta de Oliveira, Marcus Vinicius Reis Bastos, Paulo Cézar Alves Sodré, Rafael Rihan P. Amorim, Raquel Domingues do Amaral, Ricardo José Brito Bastos Aguiar de Arruda, Rodrigo Gaspar de Mello, Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de Alencar, Sérgio de Norões Milfont Júnior e Vitor Curado Silva Pereira.