Onde o sobrenome Bolsonaro entra, dá confusão. Ao menos essa tem sido a regra com projetos de deputados estaduais e vereadores Brasil afora que querem homenagear com títulos honorários o presidente e familiares dele.
De acordo com levantamento da Folha de S.Paulo, ao longo do último ano foram apresentadas ao menos 23 propostas para dar honrarias a Jair Bolsonaro (PSL), à primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e aos congressistas Flávio e Eduardo Bolsonaro, filhos do presidente.
As iniciativas, que na maior parte dos casos partiram de filiados ao mesmo partido do titular do Planalto, têm motivado bate-bocas entre parlamentares, protestos de moradores e manifestos em redes sociais, numa reação atípica para projetos do tipo, geralmente aprovados nas casas legislativas sem maiores discussões.
Desde abril de 2018, as sugestões pipocaram em plenários menores –casos das Câmaras Municipais de Nioaque, cidade de Mato Grosso do Sul com 14 mil habitantes, e do Crato, município do Ceará com 135 mil moradores– e em Assembleias Legislativas de estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Sergipe, Ceará e Rio Grande do Sul.
Vereadores de três capitais, Fortaleza (CE), Recife (PE) e São Luís (MA), também estão às voltas com a entrega de honrarias aos Bolsonaros.
A maioria dos projetos começou a tramitar depois da posse do presidente, em 1º de janeiro. A situação deles varia: alguns foram aprovados, outros acabaram rejeitados e muitos seguem em discussão, com trocas de provocações entre os que defendem os diplomas e os que criticam.
Em Goiás, no início de abril, deputados se alfinetaram em sessão para debater o título de cidadão goiano para Bolsonaro. Lêda Borges (PSDB) reagiu à justificativa de que a concessão da homenagem ajudaria o estado a receber mais atenção e repasses de recursos do governo.
“Se um presidente do Brasil precisa receber título para acudir um estado, nós podemos largar de mão”, disse ela aos pares, argumentando que o auxílio presidencial seria uma obrigação constitucional.
Álvaro Guimarães (DEM), defensor da proposta, dirigiu-se à colega para falar que a Casa “já votou títulos para pessoas que nem mereciam”, citando o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o ex-ministro José Dirceu (PT).
“Ficaria muito ruim o presidente [Bolsonaro] receber a notícia de que a Assembleia de Goiás derrubou um título que seria para ele motivo de muita alegria”, lamentou Guimarães.
A proposta, ainda em tramitação, é do deputado Delegado Humberto Teófilo (PSL), que vê necessidade de homenagear o presidente “pelos relevantes serviços prestados a Goiás, ao Brasil e à democracia”.
A deputada Delegada Adriana Acorsi (PT) diz à reportagem que a aprovação deve acabar acontecendo, a contragosto dela. “Não vejo nenhum motivo para o nosso estado ou qualquer outro homenagear Bolsonaro.”
“Ele está destruindo direitos da classe trabalhadora e dissemina ódio, machismo e racismo. E outra: nem acho que propor homenagem a quem quer que seja deva ser uma prioridade dos deputados”, afirma ela.
Controvérsia parecida se desenrolou na Câmara Municipal de Fortaleza, onde a vereadora Priscila Costa (PRTB) propôs a entrega do diploma de cidadã honorária a Michelle Bolsonaro, que foi aprovada em meados de abril sob intenso questionamento.
O vereador Ronivaldo (PT), por exemplo, foi à tribuna falar que não vê na trajetória da primeira-dama “nenhum serviço relevante” à capital cearense. Lembrou ainda o cheque depositado pelo ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da mulher do presidente.
“A lembrança que me vem é que ela recebeu um depósito de R$ 24 mil de um assessor do filho do presidente, e que ainda hoje ela não se posicionou”, discursou o petista.
Indagada sobre a oposição, a autora da proposta dá de ombros. “Vejo um preconceito. A esquerda não valoriza as mulheres que são protagonistas sem se submeter à cartilha ideológica do PT”, diz Priscila.
“Eu quis mostrar que mulheres comuns são capazes de realizar coisas extraordinárias. Quando ainda estava no anonimato, a primeira-dama estava tentando mudar o país, se dedicando aos surdos”, justifica a vereadora.
A polêmica, no entanto, continua. Uma petição criada na internet por pessoas com deficiência auditiva contesta a celebração à primeira-dama porque considera que o governo do marido está desmontando as políticas públicas para a inclusão de surdos. Mais de 600 pessoas aderiram ao abaixo-assinado virtual.
A família Bolsonaro também foi lembrada na Câmara de Votuporanga (SP), que analisa um projeto do vereador Meidão (PSD) para dar cidadania honorária a Eduardo Bolsonaro (PSL). Entre as razões apontadas para o merecimento estão verbas destinadas pelo deputado federal para a Santa Casa do município.
Em Cabo Frio (RJ), uma homenagem para Flávio Bolsonaro (PSL) foi contestada por manifestantes no plenário da Câmara em setembro, quando ele ainda concorria ao cargo de senador, para o qual acabou se elegendo. Participantes do protesto atacaram o texto por, segundo eles, prescindir de legitimidade e representar favorecimento eleitoral.
Apesar do arquivamento inicial, a proposta acabou voltando à pauta e sendo acatada pelos vereadores do município fluminense em outubro.
Um protesto barulhento também foi visto em Sorocaba (SP), onde grupos contrários à concessão de título para Jair Bolsonaro invadiram uma sessão em abril de 2018 na qual o tema era discutido. Com bandeiras do arco-íris, símbolo do movimento LGBT, e cartazes com a frase “cidadão de Sorocaba não é racista”, eles conseguiram impedir o avanço do projeto.
Na visão de Marco Antonio Teixeira, professor de gestão pública da FGV-SP, “o interesse público passa longe” das propostas de títulos honorários. Na maioria das vezes, segundo ele, os projetos estão atrelados à busca de ganhos eleitorais.
“Isso não é ilegal e faz parte das atividades, mas constitui um problema quando o parlamentar passa a dedicar muita energia a essas propostas. Via de regra, as Câmaras e Assembleias no país gastam tempo demais com concessão de homenagens, nomenclatura de rua, criação de data comemorativa”, diz o professor.
No caso das distinções aos Bolsonaros, o objetivo dos proponentes parece ser “pegar carona na fama da família”, comenta Teixeira.
“As pessoas, especialmente os correligionários, querem mostrar algum tipo de alinhamento. Isso vai durar enquanto o prestígio dele estiver em alta. Mas o presidente é uma figura controversa, que provoca divisões. É de se esperar que exista toda uma polêmica em torno disso.”