O governo de Jair Bolsonaro tem tomado decisões contraditórias ao analisar pedidos de acesso a pareceres e estudos técnicos que embasam projetos de lei enviados ao Congresso. Ao contrário do Ministério da Economia que decretou sigilo dos documentos que subsidiam a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da Previdência, como noticiou a Folha de S.Paulo neste domingo (21), as pastas da Defesa e da Justiça liberaram papéis internos usados na elaboração de propostas que remeteram ao Legislativo.
Os dados sobre esses casos foram levantados pela reportagem em banco de dados da CGU (Controladoria-Geral da União), que monitora a aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Um dos problemas da execução da lei no governo federal é justamente a falta de uniformidade nas decisões de diferentes órgãos.
Em 13 de fevereiro deste ano, a Folha de S.Paulo pediu ao Ministério da Justiça, com base na LAI, cópia de documentos referentes ao processo de elaboração do projeto de Lei Anticrime, apresentado pelo ministro Sergio Moro ao Legislativo no início daquele mês.
O jornal requereu memorandos internos, minutas, sugestões encaminhadas por outros órgãos do governo, representantes do setor privado e consultores externos. Além disso, quis consultar mensagens eletrônicas trocadas pelo ministro com assessores, funcionários de outras áreas do governo, membros do Congresso e colaboradores externos, fora agendas de reuniões que trataram do assunto, com identificação de seus participantes.
A pasta liberou o acesso em 18 de março. Enviou quatro anexos com dezenas de documentos, entre despachos internos, pareceres, minutas, memorandos e e-mails de servidores sobre o pacote de medidas.
Segundo a resposta enviada pelo governo, foram mantidos sob sigilo apenas documentos internos da Polícia Federal que descrevem procedimentos usados pela corporação em investigações com a participação de agentes infiltrados. Para o ministério, sua divulgação colocaria em risco apurações da PF.
O material fornecido pelo governo subsidiou a reportagem Debatido em 23 dias, plano de Moro contra o crime se amparou em apelo popular, publicada em 1º de abril.
Os documentos do Ministério da Justiça evidenciaram que o debate interno na pasta se limitou a pareceres que endossaram a proposta do ministro sem ressalvas, muitas vezes usando como justificativas argumentos de natureza política, e não jurídica.
O ministério não apresentou nenhum estudo técnico que tivesse sido usado na formulação do projeto. A assessoria de comunicação da pasta, consultada pelo jornal, informou na época que foram incorporadas sugestões de governadores, prefeitos e outras autoridades, mas não entregou documentos para comprovar que essas contribuições ocorreram.
Vários especialistas da área de segurança pública e Justiça foram consultados para realizar esse trabalho, disse Moro após a publicação da reportagem da Folha de S.Paulo, sem nomear os especialistas consultados, mas acrescentando que isso foi feito antes da posse do novo governo.
Em outro caso, um cidadão pediu ao Ministério da Defesa, também com base na LAI, acesso a pareceres, memorandos, notas técnicas e demais documentos relacionados à elaboração do projeto de lei enviado ao Congresso e que tratou da reestruturação da carreira militar.
O pedido foi feito em 29 de março e deferido pela pasta na última quinta-feira (18). Abrange a íntegra do processo constituído para tratar do tema, atas de reuniões e manifestações das três Forças Armadas acerca da proposta.
O pleiteante também solicitou as minutas com versões preliminares do projeto até a redação final.
O Serviço de Informações ao Cidadão do ministério enviou ao requerente um e-mail com os arquivos e disponibilizou um CD com os mesmos dados.
A reportagem da Folha de S.Paulo mostrou neste domingo que o Ministério da Economia decretou sigilo sobre os pareceres e estudos técnicos usados para elaborar a PEC da Previdência.
Ao responder a um pedido do jornal baseado na LAI, a pasta não os apresentou. Justificou que se trata de documentos preparatórios. Em seu entendimento, nesses casos, a publicidade só se dá após a edição do ato administrativo ou da decisão a que se referem os papéis.
A PEC da Previdência, no entanto, já foi editada e enviada ao Congresso em fevereiro.
A negativa gerou reação de entidades de defesa da transparência na administração pública e no Congresso. Parlamentares informaram que vão tentar derrubar o sigilo na Justiça.
*Folhapress