Em meio ao recrudescimento da pobreza e da fome no país, governadores de ao menos 15 estados criaram programas de transferência de renda em 2021 e turbinaram oferta de ações sociais custeadas pelos cofres estaduais.
Os projetos atuam de forma complementar a programas federais como o auxílio emergencial e o Bolsa Família, que também deve ser turbinado -passará a se chamar Auxílio Brasil e terá o valor médio ampliado para R$ 400 após determinação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A criação dos programas de transferência de renda estaduais coincide com o ano pré-eleitoral e aponta para um maior protagonismo da questão social na pauta eleições do próximo ano.
Potenciais candidatos do PSDB à Presidência da República, os governadores de São Paulo, João Doria, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, criaram programas em seus respectivos estados.
Em meio a embates com Bolsonaro, Doria lançou em abril o Bolsa do Povo, com repasses de até R$ 500 por pessoa por meio da ampliação e unificação de outros programas já existentes no governo paulista.
O programa foi lançado com ares superlativos e promessa de investimento anual de R$ 1 bilhão. Segundo o governo paulista, o Bolsa do Povo deve alcançar 4,3 milhões de pessoas.
“É o maior programa social da história de São Paulo”, disse Doria em abril, durante o lançamento do programa, enquanto exibia uma réplica do cartão do programa social.
A proposta foi aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo com facilidade -foram 65 votos favoráveis e 6 contrários. Mas recebeu críticas durante a sua tramitação e foi rejeitada por parte da bancada bolsonarista.
“Essa porcaria de projeto não é ‘bolsa’ coisa nenhuma, não cria nenhum novo programa social de combate à pandemia”, disparou na época o deputado estadual Douglas Garcia (PTB).
No Rio Grande do Sul, Leite lançou o Devolve ICMS, programa que vai devolver parte do tributo pago para pessoas de baixa renda e deve atender 432 mil famílias gaúchas. Serão devolvidos R$ 400 por ano, em quatro parcelas trimestrais de R$ 100.
A proposta foi aprovada pela Assembleia gaúcha em dezembro de 2020, juntamente com a reforma tributária. Mas foi lançada dez meses depois, justamente no momento em que o governador percorre o país como pré-candidato ao Planalto.
Na última segunda-feira (18), ao anunciar o programa, Leite destacou o seu potencial de impacto na economia do estado: “Vai dar ganho de poder de compra para a população de mais baixa renda”.
Governadores que concorrerão à reeleição também vão gerir novos programas sociais, provisórios ou permanentes, criados neste ano.
No Rio de Janeiro, a Assembleia Legislativa aprovou por unanimidade em março o Supera RJ, que prevê um auxílio emergencial de até R$ 300 mensais para cerca de 200 mil famílias.
O governador Cláudio Castro (PL) foi um entusiasta da proposta, a despeito do histórico recente de dificuldades de caixa enfrentadas pelo Governo do Rio. O Supera RJ será custeado com recursos do superávit financeiro do orçamento de 2020 e receitas extraordinárias.
Em junho, o próprio Castro participou de atos para distribuição de cartões a famílias beneficiadas nas quadras de escolas de samba Beija-Flor, Mocidade, Grande Rio e Inocentes de Belford Roxo. Efetivado no Governo do Rio em abril, ele vai concorrer a um novo mandato.
Em Goiás, a iniciativa partiu do próprio governador Ronaldo Caiado, que tentará renovar o mandato em 2022. Ele lançou em agosto o Mães de Goiás, programa permanente que destinará R$ 250 mensais a 100 mil famílias em situação de vulnerabilidade.
Na semana passada, Caiado iniciou a distribuição dos primeiros cartões a famílias de Padre Bernardo (224 km de Goiânia). Na última terça-feira (19), voltou a entregar pessoalmente cartões do programa, desta vez na cidade de Planaltina, no entorno do Distrito Federal.
A proposta, contudo, foi alvo de críticas da bancada de oposição na Assembleia Legislativa, que considerou a iniciativa tímida. Em discurso, a deputada estadual Lêda Borges (PSDB) estimou que o benefício deve atender uma em cada quatro famílias carentes do estado.
Em Alagoas, o governador Renan Filho (MDB) implementou o cartão Cria, que concede um auxílio de R$ 100 mensais para cerca de 100 mil gestantes e crianças em situação de pobreza. O benefício já estava no planejamento do governo, mas foi antecipado com a crise da pandemia.
Em Minas Gerais, o auxílio emergencial estadual, que será pago em parcela única, foi proposto pela Assembleia Legislativa.
Ao anunciar o pagamento do auxílio, contudo, o governador Romeu Zema (Novo) gerou polêmica ao afirmar que a maior parte dos beneficiários não faz o uso adequado do dinheiro: “Vão para o bar, para o boteco”.
Estados como Pará e Maranhão apostaram em programas mais focalizados. No Maranhão, o governador Flávio Dino (PSB) instituiu o Programa Vale Gás, contemplando cerca de 120 mil famílias.
No Pará, Helder Barbalho (MDB) sancionou em setembro os programas Vale Gás e Água Pará. O primeiro viabilizará a compra de botijões de gás para famílias de baixa renda e o segundo prevê o custeio do consumo de até 20 metros cúbicos de água pelo governo por dois anos.
Também instituíram programas de transferência de renda os governos do Paraná, Piauí, Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Acre e Amapá.
Coordenador do curso de administração pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo, Marco Antônio Teixeira afirma que, por estarem mais próximos da população, governos estaduais e municipais foram pressionados a buscar soluções para o avanço da crise social gerada pela pandemia.
“Os governadores buscaram responder a um problema que estava no calcanhar deles. E, de forma legítima, buscam mostrar que aquela é uma ação do governo estadual”, afirma.
Ele destaca que o incremento das ações sociais de governadores deve contrapor o discurso de Bolsonaro, que tem os criticado pelas medidas restritivas adotadas na pandemia. E diz que agravamento da crise social tende a ganhar centralidade nas eleições: “Será um elemento importante do debate eleitoral”.