Marcada para estrear em janeiro, a nova novela das 19h da Globo, “Vai na Fé”, terá pela segunda vez consecutiva uma pessoa negra como protagonista no horário. Depois de Taís Araújo em “Cara e Coragem”, em 2023 o público poderá ver Sheron Menezzes no papel principal da trama de Rosane Svartman.
Na história das novelas, houve outros momentos em que o negro esteve à frente da dramaturgia, mas foram casos esporádicos. Em 1965, por exemplo, a atriz Iolanda Braga (1941-2021) se destacava pela TV Tupi em “A Cor da Sua Pele” e deu o primeiro beijo inter-racial da televisão brasileira. A cena foi gravada com o ator Leonardo Villar (1923-2020). Vanguarda, Braga também foi a primeira mulher preta a fazer propaganda de produtos de beleza.
Em 1969, com a novela “Vidas em Conflito” da TV Excelsior, havia um quarteto amoroso ao qual fazia parte um personagem vivido pelo ator negro Zózimo Bulbul (1937-2013). Porém, naquela trama, como relembra Alencar, a negritude aparecia em forma de objetivação sexual. “Uma das personagens começava a namorar um negro como vingança para provocar a mãe que se apaixonava pelo mocinho de Paulo Goulart [1933-2014].”
Depois disso, a Globo cometeu alguns erros em relação a essa temática. Um dos mais crassos até hoje foi quando, no mesmo ano de 1969, na novela “A Cabana do Pai Tomás”, Sérgio Cardoso, tido como maior destaque da dramaturgia naquele tempo, tinha de pintar o rosto de preto para viver a estrela da narrativa, por uma imposição de patrocinador. A emissora optou pelo “black face” mesmo tendo nomes como Milton Gonçalves (1933-2022) à disposição.
Mais recentemente, em “Segundo Sol” (2019), a trama passada na Bahia não contava com negros no elenco, o que gerou protestos. “Cerca de 80% desse estado é composto por pretos e pardos. Como pode um país virar as costas para isso? A Globo aprendeu com esse episódio”, opina Alencar.
“Cara e Coragem”, atual novela das 19h, vai contra esse estigma e possui muitos negros no elenco e em papéis de poder. Um exemplo é Ícaro Silva, que vive um gestor de uma grande empresa ao lado da mãe, interpretada pela atriz Claudia di Moura. E a autora Rosane Svartman vai propor mais diversidade com “Vai na Fé”, assim como já havia feito em “Bom Sucesso” (2019), quando quis que em sua equipe fora de cena houvesse pelo menos um negro e uma mulher em cada setor.
Rosane Borges, ativista da causa, jornalista e pesquisadora da ECA-USP, avalia que tem constatado uma escala crescente de negros no audiovisual. “Vemos hoje novelas com percentuais numéricos mínimos de negros. Mas como antes isso não acontecia, é algo que deve ser celebrado como conquista do movimento mesmo estando longe do ideal”, analisa ela ao comparar a atualidade com duas décadas passadas.
A pesquisadora completa que “é preciso ter uma reparação histórica para que negros, mulheres e membros da comunidade LGBTQIA+ participem do sistema de representação e possam projetar possibilidades”. “Somos capazes enquanto seres humanos”, finaliza.