RIO – “Onde canta o galo da Lapa”? Uma postagem com esse título publicada na quarta-feira numa rede social, em uma página voltada para moradores do bairro criou um tremendo bafafá na internet, como mostrou o colunista Ancelmo Gois, de O Globo. Só que, nos comentários, em vez de denunciar o paradeiro do animal, os internautas sairam em defesa do galinácio. O mistério está desfeito. O tenor que acorda a vizinhança com sua sinfonia, por volta da 5h da manhã, se chama Ricardo e vive numa vila da Rua do Riachuelo, próximo à Rua dos Inválidos, com outros dois galos, seus filhotes, que ajudam na cantoria, além da mãe das crias, a galinha Janaína.
“Prezados moradores, também hoje acordei as 5:00 horas da madrugada, acordado pelo canto deste “simpaticíssimo” GALO que canta na frente da minha Janela.Quem pode me ajudar a localizar o proprietário do ave cristado, para tentar uma solução do problema? Amo os animais de qualquer tipo e especie, mas ter uma fazenda em pleno centro urbano, me parece demais, principalmente quando os ritmos do da cidade (acordar 7:30) não são os mesmos da vida rural (acordar 5:00 para a semea do trigo etc)… Agradeço todo mundo e viva os animais e São Francisco, protetor dos mesmos!”, postou o internauta que deu origem à polêmica, para em seguida esclarecer que só queria conhecer o dono do animal “só pra conversar, de repente dá para colocar o bichinho num lugar fechado”.
Bastou a primeira postagem para imediatamente vir a reação. A maioria em defesa da ave.”Bom demais da conta ouvir o galo cantar… Adoro…”, escreveu um internauta. “Tem mais de um, porque eu sempre ouvi da Joaquim Silva, e não acredito que o seu vizinho cante tão alto… “ denunciou outro. “Resolvi meu problema comprando tampões pro ouvido, super indico”, radicalizou um terceiro. “Eu uso também, mas o galo canta mais forte do que os tampões!”, reiterou outra. Teve também que fizesse troça com a história: “Hoje ele cantou 6h30m que eu ouvi. Deve ter colocado a função soneca nele.
A dona do galo é uma auxiliar de enfermagem de 64 anos chamada Eva. Ela trabalha no Hospital Municipal Miguel Couto, na Gávea, e vive com o filho Bruno, de 29, numa das casas da vila. O sobrenome da família não poderia ser mais apropriado: Pinto. O rapaz disse que o galo está com eles há cerca de 4 anos e estima que a idade da ave seja 10 anos, pelo tamanho da crista.
— Dizem que quanto maior (a crista), mais velho é o galo — ensina.
O rapaz que trabalha como garçom num bar da Rua do Resende até altas horas da madrugada é esperto. Só vai para a cama depois que o galo já cantou. Ou então reza para conseguir chegar em casa cedo e conseguir dormir antes de iniciar a cantoria, que costuma de estender até às 8h, segundo relatos de vizinhos, com direito a um bis ao meio dia. A mãe do rapaz comprou a ave de um morador de rua, que a trazia preso na perna por uma cordinha.
— Ele não tinha dinheiro para cuidar da ave e, para completar, estava dando cerveja para o bicho. Minha mãe ficou com pena e pagou R$ 50, ou “um galo”, por ele.
Enquanto na internet o canto do galo gerou polêmica, os vizinhos dele na vila saíram em sua defesa. Eles só não sabiam da existência de outros galos na mesma casa. Acreditavam se tratar apenas de um, até porque Ricardo é o astro, em matéria de cantoria, e seus filhos meros coadjuvantes, ou para usar uma linguagem do meio, fazer apenas o chamado backing vocal para o artista principal brilhar.
— Na vila muita gente gosta dele. No começo achei até que fossem reclamar, mas não foi isso que aconteceu. Acho que é porque tem muita gente vinda do interior. Eles dizem que o canto do galo faz lembrar a infância deles — afirma Bruno.
Nascida no viseu, em Portugal, Maria de Lourdes Alves, de 83 anos, a moradora mais antiga da vila, onde vive há 33, concorda:
— O canto dele traz lembranças boas de minha terra. Esse galo é abençoado. Não fica zangado com ele. Adoro ouvir ele cantando. Tem dias que ele começa por volta das 4h. É a coisa mais linda do mundo. Às vezes canta ao meio dia também — defende.
Outra moradora antiga, a cearense Maria Aldenora Pereira, de 72 anos, que toma conta de 14 crianças da redondeza, diz que o galo é o seu despertador.
— Quando ele canta sei que está na hora de sair da cama para levar as crianças para a escola — diz.