Relatório do Coaf (órgão de inteligência financeira do governo federal) aponta operações atípicas em contas bancárias de Marcelo Álvaro Antônio (PSL), ministro do Turismo de Jair Bolsonaro. Segundo o órgão do Ministério da Justiça, o pivô das investigações sobre candidaturas de laranjas do PSL movimentou R$ 1,96 milhão de fevereiro de 2018 a janeiro de 2019.
O jornal Folha de S.Paulo teve acesso ao documento, que relata “operação suspeita” e afirma ter havido depósitos e saques em dinheiro vivo que apresentaram “atipicidade em relação à atividade econômica do cliente ou incompatibilidade com a sua capacidade econômica-financeira”, além de movimentação de recursos “incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira do cliente”.
O valor de R$ 1,96 milhão, movimentado em duas contas do Banco do Brasil, considera créditos e débitos, como saques, depósitos, transferências, cheques e pagamentos de boletos, entre outros. As operações em dinheiro vivo informadas pelo BB foram de valores acima de R$ 50 mil.
O relatório diz que, no período analisado, Álvaro Antônio tinha como rendimento registrado apenas o seu salário líquido como deputado federal, de R$ 22,1 mil. E que a única empresa cadastrada em seu nome estava inapta na Receita Federal, pelo motivo de omissão de declarações.
Em agosto de 2018, em sua declaração de bens entregue à Justiça eleitoral, Álvaro Antônio registrou patrimônio de R$ 773 mil. À época das últimas eleições, ele era presidente em Minas do PSL, mesmo partido de Bolsonaro, e foi reeleito para o cargo de deputado federal, tendo sido o mais votado no estado.
O documento do Coaf com as movimentações suspeitas do ministro foi enviado no mês passado para a PGR (Procuradoria-Geral da República) e, agora, deve ir para Minas Gerais, onde há apurações sobre esquema de candidaturas de laranjas do PSL.
O Coaf é o responsável no governo federal pela produção de inteligência financeira, em auxílio ao combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. O órgão recebe, examina e identifica ocorrências suspeitas de atividade ilícita e comunica às autoridades competentes para instauração de procedimentos.
A unidade atualmente está vinculada ao Ministério da Justiça de Sergio Moro, mas há movimentação no Congresso para devolvê-lo ao Ministério da Economia.
Em fevereiro, em relação ao escândalo dos laranjas, o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), negou foro privilegiado para o ministro do Turismo e decidiu que a competência de investigação do caso é da primeira instância, por serem fatos que ocorreram durante a campanha, inexistindo vínculo com o mandato de deputado federal na Câmara.
O caso das laranjas foi revelado pela Folha de S.Paulo em fevereiro. Dias depois, o Ministério Público e a Polícia Federal abriram investigação, ainda em andamento. Bolsonaro tem dito que aguarda a conclusão das investigações sobre o ministro do Turismo para decidir o que fará nesse caso.
Em reportagem do dia 4 de fevereiro, o jornal mostrou que o ministro do Turismo patrocinou um esquema de candidaturas de fachada que desviou dinheiro público do PSL para empresas ligadas ao seu gabinete e a seus assessores.
Quatro candidatas, escolhidas pelo político, receberam R$ 279 mil, ficando entre as 20 que mais receberam dinheiro do partido no país inteiro, mas não tiveram sinal de que tenham feito campanha efetiva. A mais bem sucedida delas não chegou a ter nem mil votos.
No início deste mês, a PF realizou a primeira operação do caso e disse que já tem provas de que essas mulheres mentiram sobre os gastos em suas campanhas e que as empresas supostamente contratadas, como gráficas e consultorias, não realizaram os serviços declarados ou os fizeram para outros candidatos.
Depoimentos prestados, áudios obtidos no inquérito e documentos colhidos levam a investigação a Álvaro Antônio. PF e Ministério Público agora aprofundam a apuração para identificar qual foi a participação do ministro em eventuais crimes.
OUTRO LADO
Em nota enviada pela assessoria do Ministério do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio afirma que coloca à disposição das autoridades seus sigilos bancário e fiscal e que todas as suas movimentações têm lastro legal e foram declaradas.
“O ministro Álvaro Antônio abre, de imediato, mão do seu sigilo bancário e fiscal. Está à disposição das autoridades competentes. Não há a menor necessidade de se especular em relação a esses fatos e nem isso é adequado. Todas as suas movimentações financeiras têm lastro legal e foram devidamente declaradas na Receita Federal”, diz a nota.
A assessoria do ministério afirma ainda confiar no trabalho dos investigadores.
“A Folha de S.Paulo, maldosamente, e mais uma vez, induz o leitor ao erro: o suposto valor de R$ 1,9 milhão, como relatou o próprio repórter, em tratativa com a assessoria, refere-se a entradas e saídas. O ministro nunca teve acesso aos supostos relatórios do Coaf. Apesar de ter solicitado ao jornal, não lhe foi dado acesso a esses relatórios para que pudesse explicar no caso de dúvida. O ministro reitera a confiança no trabalho sério, isento e justo das autoridades competentes.”
*Folhapress