O Carrefour assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no valor de R$ 115 milhões, na noite desta sexta-feira (11), em relação à morte de João Alberto Silveira Freitas, homem negro assassinado em uma unidade da rede, em Porto Alegre, em novembro do ano passado.
O dinheiro vai ser destinado para políticas de enfrentamento ao racismo. Seis pessoas ainda respondem pelo crime na Justiça. Relembre detalhes do caso ao fim da reportagem.
O acordo foi firmado com o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPRS), o Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE-RS), Defensoria Pública da União (DPU) e as entidades Educafro – Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes e Centro Santo Dias de Direitos Humanos.
Em nota, o Carrefour informou que “através deste termo, o grupo reafirma seu compromisso irrevogável de lutar contra o racismo e de atuar como um agente de transformação da sociedade. Passados poucos mais de seis meses do ocorrido, além da celebração do acordo, o grupo já indenizou todos os membros da família da vítima, reformulou o modelo de segurança nas lojas e vem colocando em prática os demais compromissos assumidos publicamente desde novembro para combater o racismo e promover a equidade”. [Leia abaixo a nota na íntegra].
Segundo o Ministério Público, trata-se do maior TAC assinado no que se refere aos valores envolvidos e destinados a políticas de reparação e promoção de igualdade racial no Brasil.
“Estamos transformando um fato triste, a perda da vida do João Alberto, em algo construtivo, na intenção de que isso não se repita”, disse a promotora de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, Gisele Müller Monteiro, que assina o termo pelo MPRS.
6 meses de negociações
De acordo com Gisele, foram seis meses de negociações semanais diretas com os movimentos sociais representativos da população negra e demais entidades que assinam o TAC, de forma a construir um plano de atuação que dialogasse com as demandas sociais dos movimentos negros e para que o acordo, de fato, impactasse a sociedade e trouxesse pessoas negras, pardas e indígenas para posições de liderança e de igualdade.
Também assina o TAC pelo MPRS a subprocuradora-geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, Angela Salton Rotunno.
Conforme a Defensoria Pública, com o acordo, caberá ao Carrefour a adoção e execução de um Plano Antirracista a partir do estabelecimento de ações que vão desde protocolos de segurança, relações de trabalho, canal de denúncias, treinamentos para dirigentes e trabalhadores em relação a atos de discriminação, compromissos em relação à cadeia ou rede de fornecedores, até a reparação de danos morais coletivos.
O valor acordado terá como destino iniciativas como a oferta de bolsas de educação formal (R$ 74 milhões), contribuição para projeto museológico, campanhas educativas e projetos sociais de combate ao racismo (R$16 milhões), além de projetos de inclusão social (R$ 10 milhões), entre outras.
Tratativas
Na quarta, o Carrefour havia anunciado que estava avançando nas tratativas junto às autoridades públicas e associações civis. O valor do acordo era inicialmente de R$ 120 milhões, que seriam desembolsados ao longo dos próximos anos. Posteriormente, foi reduzido para R$ 115 milhões.
Segundo o Carrefour, foi um “redimensionamento” que não compromete o avanço de todas as ações acordadas no Termo de Ajustamento de Conduta.
No final de maio, a viúva de João Alberto aceitou a proposta de indenização feita pelo Carrefour. Segundo o advogado de Milena Borges Alves, o valor pago pelo hipermercado é superior a R$ 1 milhão. Milena estava com o marido no supermercado. A empresa pagou outras oito indenizações aos demais familiares, entre eles o pai, filhos e a enteada de João Alberto.
Seis pessoas denunciadas
Denunciadas pelo Ministério Público, seis pessoas respondem pelo crime na Justiça. São elas: Giovane Gaspar da Silva e Magno Braz Borges, seguranças que estão presos; Adriana Alves Dutra, fiscal do Carrefour; Kleiton Silva Santos e Rafael Rezende, funcionários do mercado; e Paulo Francisco da Silva, funcionário da empresa terceirizada de segurança que prestava serviços ao estabelecimento.
Giovane, que é ex-policial militar temporário, solicitou um habeas um corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) no final de maio. Em abril, a corte já havia negado pedido semelhante feito pela defesa do réu.
No dia 19 de novembro de 2020, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado até a morte por seguranças no Carrefour do bairro Passo D’Areia, na Zona Norte de Porto Alegre.
Ele foi conduzido até a saída do supermercado por duas pessoas após se desentender com uma funcionária. Na porta do local, João Beto deu um soco em um dos seguranças, que responderam com mais agressões. Os seguranças então imobilizaram o homem no chão e continuaram com o espancamento.
NOTA EMITIDA PELO CARREFOUR
O Grupo Carrefour Brasil fechou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública do Estado do Rio Grande Do Sul, Defensoria Pública da União e as entidades Educafro e Centro Santo Dias.
Através deste Termo, o Grupo reafirma seu compromisso irrevogável de lutar contra o racismo e de atuar como um agente de transformação da sociedade. Passados poucos mais de seis meses do ocorrido, além da celebração do acordo, o Grupo já indenizou todos os membros da família da vítima, reformulou o modelo de segurança nas lojas e vem colocando em prática os demais compromissos assumidos publicamente desde novembro para combater o racismo e promover a equidade.
As ações já iniciadas pelo Grupo Carrefour Brasil e confirmadas pelo acordo têm como foco a promoção da educação, por meio de bolsas de educação e qualificação profissional, o empreendedorismo de pessoas negras e o desenvolvimento de projetos socioculturais, com a finalidade de combater o racismo estrutural no Brasil. Todas as iniciativas serão amplamente divulgadas e verificadas por uma auditoria externa.
O acordo estabelecido tem vigência de três anos e prevê o investimento de R$ 115 milhões.
“O Termo assinado não reduz a perda irreparável de uma vida, mas é mais uma medida tomada com o objetivo de ajudar a evitar que novas tragédias se repitam. Com este novo passo, o Grupo Carrefour Brasil reforça sua postura antirracista, ampliando sua política de enfrentamento à discriminação e à violência, bem como da promoção dos direitos humanos em todas as suas lojas”, afirma Noël Prioux, presidente do Grupo Carrefour Brasil.
As iniciativas confirmadas pelo TAC
Um dos destaques são as ações voltadas para educação. Boa parte do recurso financeiro será destinado à concessão de bolsas de estudos para pessoas negras, de nível superior e de pós-graduação. Haverá ainda bolsas voltadas para a aprendizagem de idiomas, inovação e tecnologia, com foco na formação de jovens profissionais para o mercado de trabalho. Ao todo serão mais de 10 mil bolsas. “Entendemos ser necessário o investimento em bolsas de estudos com a finalidade de gerar mais oportunidades e aumentar a empregabilidade das pessoas negras”, afirma Cristiane Lacerda, diretora de Desenvolvimento Humano do Grupo.
O plano de ações conta também com a promoção do empreendedorismo entre pessoas negras e aceleração de empresas. Há ainda a implementação de política de Tolerância Zero, treinamento contínuo de todos os profissionais que atuam no Grupo Carrefour Brasil em relação ao letramento racial e ao combate de todo o tipo de discriminação e violência, bem como o fortalecimento do canal de denúncias. Todas as três ações já em implementação na Companhia.
Outro compromisso ainda destaca a necessidade de se contratar pessoas negras, sendo 30 mil no período de três anos, a fim de contribuir para o quadro de diversidade racial da Companhia. Vale destacar que hoje 64% dos profissionais do Grupo Carrefour Brasil se declaram negros ou pardos. O Grupo também terá um programa de estágio e de trainees voltados para negras e negros e ainda pretende acelerar a carreira de 300 profissionais negros e negras que já atuam na companhia, como forma de contribuir para que eles ascendam à liderança.
Na parte de segurança, o Grupo optou por internalizar a segurança interna, também chamada de agentes de prevenção. Foram mais de 600 profissionais contratados, que se destacam por representar a diversidade da população brasileira quanto ao gênero e raça. Eles serão continuamente treinados com foco em acolher o cliente e proporcionar a melhor experiência nas lojas do Grupo.
A elaboração das ações, principalmente aquelas já colocadas em prática, contou com o suporte do Comitê de Diversidade Externo Independente, que assessora o Grupo Carrefour Brasil desde novembro.