Se a entrega de vacinas dos laboratórios esperada pelo Ministério da Saúde for cumprida (veja abaixo), o Brasil tem tudo para concluir até o fim deste ano a campanha nacional de imunização contra a covid-19. Mas nem tudo é motivo para comemoração.
Para chegar a essa meta, o país precisaria aplicar pouco menos de 1,2 milhão de doses por dia até 31 de dezembro, velocidade que já foi superada nessa mesma campanha.
Ontem, sexta-feira (28), o país injetou fármacos que previnem a covid-19 em 1.211.432 pessoas – a terceira melhor marca num período de 24 horas até agora. O recorde, porém, ocorreu em 23 de abril, quando 1,744 milhão de injeções contra a doença foi parar nos braços dos brasileiros.
Agora, o Brasil tem 160 milhões de pessoas que podem ser imunizadas contra a covid-19, com primeira e segunda doses, de acordo com o painel Localiza SUS. A infectologista Paula Carnevale, professora da Universidade Anhembi Morumbi, acha possível completar todos os grupos vacináveis até o fim de dezembro, desde que, obviamente, existam vacinas.
“É essencial que o governo federal, de fato, assuma a responsabilidade de organizar a campanha nacional, que tem acontecido com ritmos diferentes nos estados. Para vacinar 1,2 milhão de pessoas por dia, é preciso que a vacina seja considerada prioritária pelo Ministério da Saúde”, comentou.
Na visão da infectologista, a coordenação é difícil por haver mais de uma vacina, por causa da necessidade de segunda dose e dos intervalos diferentes entre as aplicações e também porque ela ocorre em meio a outras campanhas de imunização, como a da gripe.
O diretor da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), Renato Kfouri, diz não ter dúvida de que é possível que toda a população vacinável (com pelo menos 18 anos de idade) seja chamada para se imunizar. “O que não teremos é a imunização completa de grandes percentuais da população, porque, por várias razões, muitas pessoas não vão tomar a segunda dose”, explicou.
Kfouri observou que das três vacinas hoje utilizadas no país, apenas as da AstraZeneca e da Pfizer têm estudos que mostram alguma proteção com apenas uma dose. “Mas não há essa informação da CoronaVac, a mais utilizada até o momento.”
O diretor da SBIm conta que é comum em vacinações de doença que exijam mais de uma dose uma redução no número de pessoas que procuram o posto de saúde para complementar a imunização.
“As taxas de abandono normais de segunda dose ficam entre 15% e 20%. As pessoas simplesmente não retornam para se vacinar.”
Kfouri observa que a velocidade da imunização nos estados pode ser uma falsa notícia positiva. “Quando você passa a vacinar o grupo seguinte rapidamente, pode ser que sua cobertura esteja baixa. E aí, até porque não é justo ficar segurando imunizantes 30, 35 dias à espera das pessoas, você avança usando doses de quem ficou para trás e acabou não se imunizando”, disse. “E isso compromete toda a campanha.”
Nem segunda nem primeira dose
A falha apontada pelo diretor da SBIm aparece nos dados do painel de vacinação do projeto ModCovid19.
O gráfico de monitoramento do estudo, financiado com verbas do Ministério da Ciência e Tecnologia, e coordenado por professores de grandes universidades do país, alerta para o fato de que não foram sequer tomar a primeira dose 14,1% dos brasileiros acima de 60 anos. Esses idosos integram os primeiros grupos prioritários, de fases da campanha já encerradas em todo o país.
A faixa mais alarmante é a de homens entre 60 a 64 anos. Com esse perfil, 26,3% não se preocuparam ou não puderam ir uma única vez ao posto de saúde.
O mesmo monitoramento aponta que a vacinação até para quem quer receber a segunda dose é quase impossível em praticamente todos os municípios do Brasil, afinal faltam mais de 5 milhões de imunizantes que serviriam à completação vacinal.
Na opinião de Renato Kfouri, as entregas erráticas dos laboratórios são o principal problema para atingir a meta de imunizar a população até o fim do ano. “A velocidade não é limitada por uma dificuldade estrutural, mas pela falta de vacina.”
Paula Carnevale adiciona que ao mesmo tempo em que aumentavam os números de casos de covid-19 no país, crescia outro fenômeno prejudicial à imunização. “O movimento antivacina, que era muito pequeno, ganhou força. As pessoas precisam se conscientizar que as duas doses só vão surtir efeito se quase toda a população se imunizar.”
Velocidade da vacinação
O Brasil havia aplicado até 19h de quinta-feira (27) à tarde, de acordo com o painel oficial do Ministério da Saúde, 65.268.576 doses (dado mais recente). Dados extraoficiais do vacinômetro do R7 já apontam, porém, que 67,3 milhões de fármacos já foram parar no braço dos brasileiros.
Para atender uma população de pouco mais de 160 milhões de pessoas aptas a receber as duas doses contra a covid (com pelo menos 18 anos), o Brasil tem de ter 320.089.818 vacinas.
A velocidade diária necessária sai da quantidade de doses que se precisa para completar a população (254.821.818) dividida por 215 dias, tempo que falta até o fim de 2021.
Resultado: para encerrar a imunização de todos os brasileiros vacináveis contra a covid é preciso uma velocidade de 1,185 milhão de aplicações diárias.
Lotes de vacinas
De acordo com a projeção de entregas de vacinas do Ministério da Saúde, a meta de 1,18 milhão por dia pode ser completada em junho, apesar de não haver tanta folga, mas precisa que os montantes destinados aos terceiro e quarto trimestres sejam diluídos por todos os meses.
Em junho, a previsão é de entrega de 43,8 milhões de doses ao Ministério da Saúde, média de 1,46 milhão por dia.
No terceiro trimestre são esperadas mais de 176 milhões de doses e, no quarto, considerado o novo lote de 100 milhões de doses da Pfizer, 310 milhões, quantidade, se realmente chegar, mais do que suficiente.
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