Apenas dois meses e meio depois de cruzar a trincheira das 200 mil mortes, o Brasil acumulou mais uma centena de milhares de vítimas e alcançou, nesta quarta-feira (24), a assustadora marca de 300 mil óbitos pela Covid-19. O número é tão grande que supera a população de 98,3% das 5.570 cidades brasileiras.
Nas projeções de população do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2020, somente 95 cidades -ou 1,7% do total- têm população superior a 300 mil pessoas. Foi dizimado um contingente humano do tamanho de Mossoró (RN) ou Suzano (SP), ou metade de uma Joinville (SC).
A letalidade da pandemia aqui fica evidente também quando a comparação é feita em escala mundial. Com apenas 2,7% da população global, o Brasil responde por 11% das mortes por Covid-19 registradas em todos os países até agora, segundo dados da Universidade Johns Hopkins. Ou seja: a fatia de mortos por Covid no país, dentro do total mundial, é o quádruplo de sua fatia na população planetária.
Na média dos últimos sete dias, de cada 4 pessoas que morreram de Covid no planeta, 1 estava no Brasil.
Mas o avanço da doença -acelerado pela disseminação das variantes do coronavírus e pela falta de políticas nacionais de contenção- também é sentido nos números que nos acompanham todos os dias.
Na terça (24), o país ultrapassou pela primeira vez a marca das 3.000 mortes registradas em 24 horas, superada somente pelos EUA, que transcendeu os 4.000 óbitos em um dia, em janeiro, antes de arrefecer (hoje o país governado por Joe Biden tem em média 1.000 mortes diárias, apesar de ter uma população mais de 50% superior à brasileira).
Foi registrado ainda, pelo 25º dia consecutivo, recorde de média móvel, que na terça chegou a 2.349 óbitos por dia. O patamar superior às mil mortes diárias, tão temido em 2020, se instalou há 63 dias. Os casos registrados da doença, provavelmente subnotificados dada a escassez de testes no país, se comparam à população de São Paulo, maior metrópole brasileira: 12,2 milhões.
Os dados brasileiros são os aferidos pelo consórcio de veículos de imprensa integrado por Folha de S.Paulo, UOL, G1, O Estado de S. Paulo, Extra e O Globo e coletados até as 20h com as secretarias de saúde dos estados.
Com a disseminação do vírus fora de controle, o Brasil somou 50 mil mortes em 28 dias. Há exatas quatro semanas, quando o país atingia a marca de 250 mil óbitos, a média móvel de mortes estava na casa de 1.100 registros. Em menos de um mês, essa média, usada como instrumento estatístico para corrigir eventuais falhas técnicas no sistema de registros, duplicou.
A marca de 200 mil mortes havia sido alcançada em 7 de janeiro, quando o total de casos era de 7.930.943
A situação não dá mostras de que arrefecerá tão cedo. O monitor da Folha de S.Paulo de aceleração da doença indica que 20 estados e o Distrito Federal estão em estágio acelerado (crescimento rápido de novos casos) e outros 4 na fase estável (estabilização do crescimento, mas num patamar alto). Somente o Amazonas encontra-se em desaceleração.
A pressão no sistema de saúde tornou-se insustentável. Nesta quarta-fera, 19 das 26 capitais brasileiras tinham taxa de ocupação de leitos de UTI para Covid acima de 90%, segundo levantamento da Folha de S.Paulo. Belo Horizonte, Porto Alegre, Porto Velho e Rio Branco não tinham nenhum leito para tratamento intensivo disponível na ocasião.
Mesmo após o paciente conseguir uma vaga para se tratar, corre o risco de morrer por falta de oxigênio. Monitoramento feito pelo Ministério da Saúde pontou que sete estados -Acre, Amapá, Ceará, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Norte e Rondônia- estão com maior dificuldade de manter estoques do insumo.
Na capital paulista, a cidade com a maior rede hospitalar do país, três pacientes internados na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Ermelino Matarazzo, na zona leste, morreram em decorrência do desabastecimento de oxigênio da unidade, segundo servidores. A prefeitura nega.
O país também enfrenta o desabastecimento de medicamentos utilizados para a intubação de pacientes. Hospitais e associações médicas alertaram o governo federal para a queda no estoque de analgésicos, sedativos e bloqueadores musculares usados para a intubação de pacientes em UTIs, que pode durar apenas mais 15 dias no Brasil.
A escassez dos medicamentos tem obrigado equipes médicas a trabalhar com drogas de segunda ou terceira linha, de maneira racionada, o que pode causar mais sofrimento aos pacientes, além de prejuízo na adaptação à ventilação mecânica e mais mortes, segundo médicos intensivistas ouvidos pela reportagem.
Para tentar evitar o colapso das UTIs, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu adotar medidas regulatórias emergenciais, como a possibilidade de importação direta de insumos por hospitais. Além disso, o Ministério da Saúde anunciou novas requisições administrativas de medicamentos, feitas diretamente aos fabricantes.
O isolamento social tem sido pouco obedecido, e a vacinação da população, que poderia causar a queda das infecções e mortes, segue a passos lentos. Até a noite de terça (23), 6% da população brasileira havia recebido pelo menos uma dose da vacina, sendo que 2% haviam completado a imunização, com duas doses.
Mesmo diante desse quadro, na mesmo noite em que o país registrou 3.000 mortos em 24 horas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que o Brasil é incansável no combate ao coronavírus.
Por 12 meses, porém, ele negligenciou a pandemia, criticou as práticas de distanciamento social e uso de máscara na contenção da doença, minimizou a letalidade do vírus, desdenhou de famílias que perderam entes queridos e hesitou em comprar vacinas, apostando primordialmente em medicamentos sem eficácia comprovada no combate à doença e espalhando desinformação.
*Folhapress